RELMECS, junio 2016, vol. 6, no. 1, e002, ISSN 1853-7863
Universidad Nacional de La Plata - Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación.
Centro Interdisciplinario de Metodología de las Ciencias Sociales.
Red Latinoamericana de Metodología de las Ciencias Sociales

 

ARTÍCULO / ARTICLE

 

Razões para o desenvolvimento do método experimental na Ciência Política contemporânea

 

Sabrina Karlla Oliveira de Almeida

Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
sabrnaalmeida@gmail.com

 

Cita sugerida: Oliveira de Almeida, S. K. (2016). Razões para o desenvolvimento do método experimental na Ciência Política contemporânea. Revista Latinoamericana de Metodología de las Ciencias Sociales, 6(1), e002. Recuperado a partir de: http://www.relmecs.fahce.unlp.edu.ar/article/view/relmecsv06n01a02

 

Resumo
Com o advento do século XX, o avanço tecnológico e o desenvolvimento nas mais diversas áreas do conhecimento acarretaram algumas mudanças na concepção do estudo da ciência. No paradigma vigente, existe na ciência política um constante comprometimento com a questão da inferência causal. O método experimental dispõe de capacidade evidente para alegar relações de causalidade entre as variáveis de interesse. Apresenta-se, portanto, como um método pragmático para o aperfeiçoamento de teorias. Examinaremos, no presente estudo, as razões que têm suscitado o interesse crescente dos pesquisadores pela metodologia.

Palavras-chave: Desenvolvimento; Método experimental; Inferência causal; Razões.

 

Reasons for the development of the experimental method in contemporary Political Science

 

Abstract
With the advent of the twentieth century, technological advance and the development in various areas of knowledge led to some changes in the design of the study of science. In the current paradigm, there is a constant commitment in the political science with the issue of causal inference. The experimental method has clear ability to claim causal relationships between variables of interest. Thus, it presents as a pragmatic method for improving theories. We will examine, in this study, the reasons that have motivated growing interest by researchers in the methodology.

Keywords: Development; Experimental method; Causal inference; Reasons.

 

1. Introdução

Na ciência política contemporânea, o termo experimental refere-se a uma metodologia específica. Sua consolidação remonta aos anos de 1960 e 1970 juntamente com as ideias behavioristas. No entanto, desde então, mudanças significativas que vão desde avanços tecnológicos a mudanças de interesse têm moldado a forma de se pensar e de se aplicar o método experimental. Ao recorrer à análise das últimas décadas no que tange à produção de trabalhos no campo da ciência política, é possível observar um crescimento considerável de abordagens e uso de técnicas experimentais. O presente trabalho busca investigar as razões pelas quais se pode observar um crescimento expressivo desta metodologia no campo da ciência política.

Obras como a de Robert Putnam (1993) Making Democracy Work, fomentou o debate referente à conexão entre os desenhos de pesquisa quantitativos e qualitativos. A partir do desenvolvimento dessas discussões, e da preocupação na disciplina de focalizar na produção de inferências causais, a lógica experimental apresenta-se como uma possibilidade real de refinamento teórico.

Em décadas mais recentes, a produção voltada para o estudo de fenômenos políticos tem buscado abandonar a tradição ontológica, encarando os eventos políticos como sendo passíveis de observações controladas. A partir de modelos mais rigorosos de mensuração, a ciência política empenhou-se em produzir teorias mais consistentes. O método estudado, como advoga a literatura, seria o melhor meio de se estabelecer relações de causalidade entre variáveis. Assim, uma vez que, como enunciado por King, Keohane e Verba (1994), o objetivo científico é a inferência e o conteúdo é o método, busca-se, legitimar a ciência política dentre as demais ciências que possuem forte compromisso com o método.

O estudo experimental nas ciências sociais não é um fenômeno recente. Os trabalhos seminais de Harold Lasswell (1902–78), primeiro teórico a usar técnicas de laboratório para investigar a interação entre manifestações emocionais e psicológicas; o papel determinante da geração dos pesquisadores da Universidade de Chicago; além do que se pôde extrair do período das Guerras Mundiais, tudo isso constitui uma origem da pesquisa experimental.

Havia uma preocupação por parte dos pesquisadores que os métodos tradicionais estatísticos reduzissem as possibilidades de responder a questões mais profundas como comportamento, crenças e ações dos indivíduos. Desse modo, e a partir do aprimoramento de softwares e surveys (nos anos 80, 90), essa metodologia ganha mais visibilidade e aderência, produzindo importantes trabalhos na área de comportamento eleitoral e no debate voltado para o neo-institucionalismo.

Segundo Rebecca Morton e Kenneth Williams (2009), haveria duas razões mais substanciais que o argumento do desenvolvimento tecnológico: o primeiro baseia-se na asserção de que os métodos quantitativos têm falhado na busca por respostas mais significativas de pesquisa; ademais, há novas questões e interesses que são mais adequados de pensar através de uma vertente experimental, esse seria o segundo argumento. Com efeito, existe uma tendência em admitir que se pode demonstrar analiticamente que “chega um ponto que cada um aprendeu tudo que poderia ser aprendido através de acumulação de dados observacionais, conhecimento adicional só vem através de pesquisa experimental” (Green; Geber, 1999: 100, tradução nossa). Ter-se-ia chegado a tal ponto? Quais as razões para essa inclinação crescente na disciplina? Quais as reais vantagens ou mesmo limites que essa metodologia apresenta para a ciência política? São questões que este estudo se propõe a explorar.

Neste trabalho, a princípio, examinaremos a trajetória da metodologia na disciplina e o evidente crescimento do interesse por parte dos pesquisadores, no tratamento do tema. Posteriormente, abordaremos minuciosamente o conceito, apoiado nos autores mais influentes, simplificando a compreensão através de alguns exemplos. E por fim, buscaremos elucidar, com base nos argumentos considerados na literatura, o que justifica essa evolução, afinal o que motiva os cientistas políticos hoje a investir na metodologia experimental.

2. Histórico

Nas primeiras décadas do século XX, a noção de um estudo "científico" no âmbito da política tomava considerável relevo. Neste sentido, importantes atores e instituições surgem dentro deste contexto para promover inovação e aprimoramento de técnicas e teorias.

O pioneirismo da Universidade de Chicago, em torno dos anos de 1920, ratifica-se pelo seu compromisso com o uso rigoroso de métodos quantitativos e o apoio dado à pesquisa e à ideia da interdisciplinaridade. Dessa maneira, foi fundamental sua contribuição no que tange à pesquisa empírica, promovendo meios mais eficientes de se derivar inferências causais em questões políticas.

Merriam, fundador da instituição, e Gosnell (1924) foram pioneiros com estudos que mais tarde influenciaram uma gama de pesquisadores que trabalharam com experimentos. Inclusive, foram responsáveis pelo que se diz ser o primeiro trabalho experimental a ser realizado na ciência política. Este tratava dos efeitos de propaganda eleitoral numa votação, o que ainda vêm a ser um dos temas mais explorados em trabalhos experimentais na disciplina.

Houve minuciosa separação de dois grupos, um experimental e outro de controle, que foram submetidos a diferentes estímulos, os resultados foram analisados ​​de acordo com as técnicas mais sofisticadas de estatística até então disponíveis. Uma investigação suplementar foi posteriormente realizada por Gosnell (1927) na Grã-Bretanha, França, Alemanha, Bélgica e Suíça. Nada assim havia sido feito antes por cientistas políticos (Almond, 1996).

Harold Lasswell (1902–78) foi outro importante pesquisador que, além de complementar os estudos realizados por Merriam e Gosnell, mostrou-se precursor no uso de técnicas de laboratório que buscavam investigar o modo como se dava a interação de processos fisiológicos, mental e emocional. Ademais, Lasswell foi, dentre outros importantes especialistas, um membro convocado para prestar serviços ao governo, sobretudo no período entre guerras e pós-guerra. Desenvolveu-se, assim, “centros de competência em ciências sociais” de valores inestimáveis a nível de formação destes profissionais e a nível de informação, que, mais tarde, seriam repassados ​​para as instituições acadêmicas.

A Segunda Guerra Mundial acabou por ser um laboratório e uma experiência sem precedentes históricos para muitos dos estudiosos e suas produções. Não obstante, repercutiu numa origem para a chamada “revolução behavioral”. A “revolução behavioral” consistiu num importante precedente para a pesquisa experimental, pois esta tinha a finalidade de limitar a análise ao nível do indivíduo, buscando compreender com mais objetividade o comportamento destes.

A Universidade de Chicago manteve sua produtividade até meados dos anos de 1930. Nessa época, houve uma dispersão de docentes devido a uma mudança de gestão e, ao passo que desacelerou o ritmo da investigação empírica na Universidade, espraiou pesquisadores e seus métodos de pesquisa por outras instituições acadêmicas. Lasswell, por exemplo, deu continuidade a seus trabalhos na Universidade de Yale, influenciando autores como Dahl, Lindblom e Lane, que promoveram transformações no departamento de Yale.

Além de toda experiência de cunho interdisciplinar adquirida por estudiosos no período das Guerras Mundiais e da Guerra Fria, pesquisas de surveys e seus especialistas, fortemente requisitados durante a Segunda Guerra Mundial, também se aprimoraram, e isto aparece como mais uma consequência deste contexto histórico. Foi, portanto, em meados dos anos de 1940, que o campo dos surveys e das pesquisas de mercado ganharam força e maior aderência.

As pesquisas de survey, mais tarde, se tornaram importantes aliadas na aplicação de pesquisa experimental, sobretudo aquelas realizadas na natureza ou na internet. Graças aos avanços tecnológicos, experimentos que fazem uso de surveys apresentam melhor performance na análise de dados (Morton; Williams, 2006). Essa técnica por muito tempo foi largamente utilizada por não-experimentalistas. Os próprios behavioristas interessados no comportamento individual, perante os fenômenos políticos, optaram pela pesquisa de survey como metodologia analítica, alegando que o método experimental não poderia ser usado para investigar o mundo real da política (Iyengar, 2009).

O retorno expressivo da metodologia experimental se evidencia pela quantidade crescente de artigos em importantes jornais e revistas de política. Bositis e Steinel (1987) realizaram uma extensa revisão da literatura em ciência política buscando avaliar o volume de trabalhos acerca do experimentalismo. Eles selecionaram uma amostra de 217 trabalhos que faziam referência a estudos experimentais com aplicações em ciência política e que haviam sido publicados entre os anos de 1924 até 1985. Dentre estes, apenas nove deles, datados de antes dos anos de 1950, foram identificados como experimentos de ciência política, havendo um aumento significativo posterior à década. O fato é associado ao advento da “revolução behavioral”, a qual instituiu um estudo mais rigoroso, científico do comportamento do indivíduo. Como já mencionado, o “behaviorismo” é apontado como uma das mais influentes causas para o fomento da pesquisa experimental.

Uma descoberta pertinente do estudo de Bositis e Steinel aponta para a constatação de que a maioria dos cientistas políticos tinha conhecimento do experimento realizado por Harold Gosnell (1920), considerado o primeiro trabalho experimental a ser produzido na disciplina. Entretanto, no que tangia a outros eminentes estudos de caráter experimental e de interesse para a política, segundo classificados por Bositis e Steinel, como os conduzidos por Lund (1925), Rice (1929), Hartmann (1936), e Hovland, Lumsdaine, e Sheffield (1949) eram bem menos reconhecidos. Isto pode ser explicado por razões de ser, a parcela majoritária dos artigos, divulgações de jornais e monografias de sociologia, psicologia e comunicação (Morton; Williams, 2009). Ainda assim, esses trabalhos se mostram relevantes não apenas pelo seu pioneirismo, mas pela sua semelhança com o que se conhece hoje como pesquisa experimental.

Por exemplo, O trabalho de Lund (1925) manipulava argumentos em um debate político para observar se a ordem a qual eles eram apresentados afetava atitudes políticas, enquanto que o realizado por Hartmann (1936) comparava os efeitos de panfletos de caráter emocional e “factual” sobre o comportamento dos eleitores e os resultados eleitorais em 1936 nas eleições locais em Allentown, Pensilvânia. (Morton; Williams, 2009). É notável a semelhança de tais técnicas com as até então utilizadas por trabalhos recentes. A experiência de Lund baseia-se na lógica do framing effect1, técnica largamente utilizada por teóricos contemporâneos como Druckman (2001). Já a executada por Hartmann, é análoga à experiência feita por Merriam e Gosnell (1924), descrita acima, que procura identificar os impactos de diferentes propagandas eleitorais através de um experimento de campo.

Ao longo dos anos de 1950 e1960, percebe-se um aumento significativo no número de publicações de cunho experimental no âmbito da política. No concernente à amostra de Bositis e Steinel, foram registradas 26 publicações durante os anos 50 e 34 no decorrer dos anos 60. Toda literatura referente à temática experimental atribui às teorias behavioristas o perceptivo crescimento, na época, do interesse no assunto por parte dos pesquisadores. Além do mais, e ainda neste período, uma iminente literatura avaliando de modo experimental às teorias dos jogos ganhou força e visibilidade, sobretudo no campo das relações internacionais.

Em suas investigações, os autores ainda chamam a atenção para mais um trabalho de grande envergadura para às ciências sociais. E neste caso em particular, representou o primeiro artigo experimental a sair numa revista genuinamente de ciência política. A pesquisa de Eldersveld (1956) publicado pela APSR, American Political Science Review, foi realizada em campo, e fazia uso de técnica experimental para investigar efeitos de propaganda e mobilização eleitoral, desta vez na cidade de Ann Arbor, no estado de Michigan.

O experimento examinou em que medida cartas diretas, telefonemas, e campanhas do tipo porta-a-porta (face-a-face) aumentavam o comparecimento eleitoral em um par de eleições municipais. Neste sentido, houve a preocupação de aplicar a experiência a tipos diferentes de eleitores, ativistas partidários ou não, além disso, o conteúdo presente nos e-mails variava, podendo ter um apelo emocional ou racional. Posteriormente, o pesquisador mensurou o comparecimento de eleitores usando registros administrativos, ao invés de relatos dos indivíduos (Druckman et al., 2006).

Meio século mais tarde, Gerber e Green (2000) realizaram um estudo de mobilização de eleitores usando os mesmos recursos para avaliar se o declínio a longo prazo da participação eleitoral tem relação causal com o declínio da campanha face-a-face. Para isso, os autores ao passo que promoveram a diminuição da relação face-a-face, simultaneamente, intensificaram a recorrência de cartas diretas e telefonemas. Gerber e Green, assim como Eldersveld, também se utilizaram de registros administrativos, porém, a amostra analisada era 100 vezes maior que a do estudo de 50 anos, envolvendo mais de um milhão de indivíduos. Suas descobertas sugerem que a mobilização face-a-face é de fato mais eficaz em estimular o comparecimento dos eleitores (Druckman et al., 2006).

A avaliação da mobilização de eleitores está se tornando uma das literaturas mais exigentes em ciência política, e muito se deve ao tamanho, diversidade e qualidade dos estudos experimentais. Ademais, as implicações desses trabalhos beneficiam não apenas os estudiosos da área, porém em muito contribuem com os agentes que tomam decisões políticas. Essa asserção se sustenta, pois, com a investigação experimental é possível obter um entendimento aprimorado do comportamento do eleitor, possibilitando os candidatos, por exemplo, a definir melhor suas estratégias de campanha e a maneira como alocar seus recursos.

Seguindo a linha cronológica de análise, e baseada nos dados obtidos por Bositis e Steinel, os anos de 1970 e 1980 triplicaram o número de pesquisas experimentais em ciência política. Logo, em 1970 registrou-se 96 publicações; e outras 52 entre os anos de 1980 e 1985 (Morton; Williams 2009). Pode-se observar nos gráficos, que serão apresentados mais a frente, o salto quantitativo correspondente a este período. Um fator relevante para esse alargamento bem como para a pesquisa experimental em ciência política como um todo, está no surgimento do seu próprio jornal, em 1970, The Experimental Study of Politics, ainda que extinto em 1981. Apesar do avanço no tocante ao reconhecimento da metodologia na disciplina, ainda àquele momento, os cientistas políticos não pareciam muito entusiasmados com a metodologia experimental, a extinção do jornal pôde ratificar isso. Todavia, célebres trabalhos foram produzidos na época, revisitando pesquisas que haviam surtido resultados positivos, e, de maneira análoga, esses autores foram também bem sucedidos em seus fins (ver Blydenburgh, 1971).

Ainda na década de 1970, houve um expressivo aumento no interesse por experimentos de laboratórios, nota-se aqui que estes foram disseminados sobretudo nos departamentos de ciência política. Psicologia política começou a emergir como um campo independente, e os interessados submeteram-se a treinamentos específicos em método de psicologia experimental. “Laboratórios com equipamentos sofisticados ou tecnologia e pessoal treinado eram inexistentes nos departamentos de ciência política, com uma notável exceção, denominada Universidade Estadual de Nova York em Stony Brook” (Iyengar, 2009: 04, tradução nossa). Como relatam Rebecca Morton e Kenneth Williams:

Durante a década de 1970, um laboratório experimental focado em experiências de psicologia política foi criado por Joseph Tanenhaus e Milton Lodge em SUNY Stony Brook, onde a investigação experimental continua a ser de forte interesse. No final dos anos 1970, Donald Kinder e Iyengar Shanto colaboraram em uma experiência acerca dos efeitos da mídia sobre a opinião pública na Universidade de Yale. Kinder foi desenvolver um forte programa de psicologia política experimental na Universidade de Michigan e Iyengar juntou-se a David Sears na UCLA para desenvolver a psicologia política experimental. Um grande número de experimentalistas da ciência política recebeu treinamento em Stony Brook, Michigan, e UCLA (2009: 07, tradução nossa).

Referente ao mesmo período, ainda constatou-se o fomento da literatura acerca de teoria dos jogos com foco em relações internacionais e economia. Evidenciou-se o interesse na pesquisa experimental por especialistas na área de economia e com enfoque político. Devido a tais circunstâncias, corrobora-se a tendência crescente da tradição experimentalista nos anos de 1970 a 1980, assim continuam Morton e Williams:

Neste momento Charles Plott criou um laboratório experimental para ciência política e economia no Instituto de tecnologia da Califórnia. Numerosos cientistas políticos foram treinados em economia e política experimental na Caltech. Na década de 1980, Elinor Ostrom da Universidade de Indiana começou a colaborar com economistas experimentais (...). No final de 1980, Rick Wilson (aluno de Ostrom) da Universidade de Rice, começou a construir um programa experimental em ciência política e colaborar com experimentalistas em sociologia e economia. E da Universidade de Michigan um de nós (Williams) também começou a construir uma agenda de ciência política experimental. Em 1991, Thomas Palfrey, também no Caltech, produziu seu volume editado de experimentos de laboratório em economia e política (2009: 07).

Outro fato importante para o alargamento do interesse no experimentalismo ocorreu no ano de 1996-97, quando Elinor Ostrom assumiu a presidência da Associação Americana de Ciência Política. Como uma adepta das ideias experimentais, Ostrom procurou enfatizar positivamente os valores desta corrente. No entanto, a teórica admitiu ter lidado com dificuldades e resistência por parte da comunidade epistêmica (Ostrom, 2007).

Através desta análise temporal, torna-se clara a percepção da trajetória crescente de trabalhos experimentais no campo da ciência política. Baseado nos esforços de diversos autores bem conceituados hoje na disciplina, foi possível observar que o experimentalismo não representa uma metodologia recém-chegada no domínio das ciências. Aqui se fez o aparato de sua história, desde as suas primeiras contribuições para pesquisa empírica até as suas diferentes aplicações nas mais diversas áreas do conhecimento. Um dos esforços deste projeto vai no sentido de buscar demonstrar analiticamente de que maneira essa metodologia pode contribuir nos fundamentos cognitivos da ciência política, apontando seus benefícios e limites. Além disso, o presente estudo tem o interesse de investigar, com base na bibliografia mais influente no assunto, o porquê do método experimental na ciência política estar ganhando mais atenção e adeptos nos últimos anos. Esse debate permeará todo o trabalho que traz dados e os argumentos mais discutidos na literatura em seções adiante.

3. Conceito

Antes de tudo, convém esclarecer com o máximo de esforços em que exatamente consiste o método experimental na ciência política. Em curtas linhas, um experimento é uma metodologia de pesquisa na qual o pesquisador controla os valores da variável independente e atribui aleatoriamente esses valores aos participantes (Kellstedt; Whitten, 2009).

Essas duas características parecem definir satisfatoriamente o conceito. Não obstante, convém elucidar com maior minúcia em que se fundamentam essas premissas. Quando nos referimos ao controle dos valores da variável independente significa que este não é determinado pela natureza, nem pelos participantes da pesquisa, é o pesquisador que o estabelece. Ademais, esses valores devem ser atribuídos aleatoriamente aos participantes do experimento. Ou seja, ao separar o grupo de tratamento (aqueles que estarão sob o efeito da variável) do grupo de controle (aqueles que não estarão sob o efeito da variável) o pesquisador se utilizará de algum mecanismo que garantirá que esses grupos sejam divididos randomicamente, desse modo, os indivíduos não serão sistematicamente diferentes um do outro. Essa medida assegura que outras variáveis não enviesem a pesquisa. Em outras palavras, parte-se do pressuposto que ambos os grupos são “iguais” e que nenhum outro fator, salvo aquele controlado pelo pesquisador, irá interferir na comparação entre os grupos, neste sentido, os resultados podem ser atribuídos às alterações na variável independente. Experimentos apresentam o benefício de reduzir a influência de vieses que seriam mais prováveis em pesquisas menos rigorosas no tocante às suas observações e formas de mensuração.

Baseado na análise gráfica do artigo The Growth and Development of Experimental Research in Political Science (Druckman et al., 2006), é visível as diferentes maneiras que o termo “experimento” foi aplicado na disciplina. Como demonstram os autores:

A análise indica que os autores usavam o termo de três maneiras distintas, referindo-se a (1) uma inovação institucional, como uma nova Constituição, sistema eleitoral, ou processo político, (2) uma simulação ou um teste empírico que não envolve nem uma instituição nem estudos randomizados, e (3) uma pesquisa randomizada em que o pesquisador aleatoriamente atribui unidades de observação para os grupos de controle e tratamento (Druckman et al., 2006: 628, tradução nossa).

A definição convencional de experimento adotada pela ciência política atual está calcada na noção de manipulação e controle. Desse modo, o termo de conotação científica buscado para “quando se modifica um único fator e mantém todo o resto constante”, conceituado por Fisher (1935) citado por Druckman et al. (2006: 628, tradução nossa), é mostrado no gráfico como sendo um fenômeno recente. E o volume de trabalhos que se encaixam nesta definição cresce consideravelmente a partir da década de 90. Esta tendência, ainda de acordo com os autores, “reflete uma convergência entre ciência política e outras disciplinas que veem experiências como uma metodologia bem definida, aceita e importante (Druckman et al., 2006: 628, tradução nossa).

fig1

Figura 1. Diferentes maneiras que o termo “experimento” foi aplicado na disciplina ao longo dos anos
Fonte: (Druckman et AL, 2006).

Para Morton e Williams (2006) o método experimental remete, substancialmente, a estudos de laboratório. O pesquisador interfere no processo de geração de dados, sendo uma parcela dos resultados obtidos repercussão dos mecanismos de controle previamente estabelecidos pelo investigador. De acordo com Rebecca Morton e Kenneth Williams:

A característica definidora de pesquisa experimental é a intervenção do pesquisador no processo de geração de dados (DGP), que definimos como a fonte para os dados que usamos na pesquisa. Em um trabalho experimental, a variação nos dados é, em parte, uma consequência de decisões do pesquisador antes dos dados medidos, na fase de concepção. Nós chamamos os dados gerados por tal intervenção, dados experimentais. Dados não-experimentais, na pesquisa empírica, envolvem o uso de dados únicos em que toda a variação é uma consequência de fatores fora do controle do pesquisador, o pesquisador apenas observa o DGP, mas não intervém no processo. Chamamos esses dados de observacionais ou dados não-experimentais (2006: 5, tradução nossa).

Isto posto, conclui-se: para que um trabalho seja de caráter experimental, segundo as condições firmadas pelos autores, faz-se necessário que a variável de interesse seja susceptível de controle e manipulação. Esta definição adotada pelos teóricos causa controvérsias quando examinamos experimentos que são denominados de naturais ou as simulações de computador. Uma vez que o ambiente de manipulação é inerente à ideia de experimento, se não houver a intenção clara de controle de determinados mecanismos que atuam no universo da pesquisa, os autores não os caracterizam como um experimento no sentido estrito do termo. Morton e Williams (2009: 41, tradução nossa) assim enunciam: “da mesma forma, outras pesquisas que têm o rótulo de experiência, como os experimentos naturais e as simulações de computador, nós também não incluímos já que elas não envolvem intervenção ou manipulação do DGP por um pesquisador”.

Por outro lado, se o pesquisador opera de modo a exercer domínio em relação às variáveis do seu estudo, independente do seu desenho de pesquisa, existe um estudo experimental. Morton e Williams:

Se os pesquisadores qualitativos se veem como interventores do processo com o propósito de alterar o DGP, chamamos essa pesquisa de um experimento. Do mesmo modo, uma pesquisa de survey tradicional não é um experimento, pois o objetivo do pesquisador é avaliar a opinião dos entrevistados, não de intervir ou manipular elementos do DGP que afeta essas opiniões. Quando um pesquisador propositalmente recorre a uma pesquisa de survey para manipular elementos do DGP, que teoricamente afeta as opiniões dos entrevistados, nós chamamos isso de uma experiência (2009: 38, tradução nossa).

Algumas vezes, pesquisas de survey podem manipular “acidentalmente” o processo de geração de dados, contudo, para que o estudo seja reconhecido como experimental é preciso que se tenha a intenção de alterar o DGP. Ainda, o papel da manipulação na pesquisa experimental na ciência política, ao contrário do que pode ocorrer em experimentos na psicologia, não pretende “melhor” medir os dados que se observam durante o experimento. Segundo Morton e Williams (2009: 38, tradução nossa) “os meios de alcançar o objetivo são através da manipulação, não observação passiva, isto é o que torna esta pesquisa experimental, em vez de observação, em nossa opinião”.

Ademais, embora Morton e Williams atribuam forte relevância aos fatores controle e atribuição aleatória das variáveis, eles não estabelecem um grau ótimo para o uso dessas ferramentas. Pelo contrário, a variação destes dois elementos será moldada conforme os objetivos da análise.

Ainda há muito equívoco na concepção de como deve se dar um experimento. Morton e Williams (2006) alegam que existe uma tendência de se associar a metodologia àquilo que está fora de seu alcance, ao que não tem relação com ciência política, ou mesmo a uma visão anacrônica, firmada junto aos fundamentos da teoria behaviorista, da década de 1950. Na verdade, mudanças substanciais nas aplicações e noções do nosso objeto de estudo ocorreram no decorrer dos anos. Os “não-experimentalistas” entendem um experimento ideal como aquele onde o observador manipula uma variável e divide os indivíduos em dois grupos, um estaria submetido à influência daquela variável, chamado de grupo de tratamento, enquanto que o outro, denominado grupo de controle, não, e então os sujeitos são escolhidos aleatoriamente entre os grupos. Na verdade, esta concepção estaria adequada se o pesquisador estivesse investigando uma variável binária e não estivesse interessado em nenhum outro aspecto. Morton e Williams (2006: 05, tradução nossa) esclarecem: “Na verdade, a variedade de possíveis modelos experimentais e tratamentos são tão grandes quanto são com os dados observacionais, e em alguns aspectos, há uma gama maior de possibilidades através de experiências do que é possível com os dados observacionais”. Neste sentido, para questões mais significativas de pesquisa, o experimentalista deve dispor de maneiras criativas e ilimitadas para atingir o escopo do seu estudo, dentro da perspectiva experimental contemporânea. Morton e Williams alegam que não existe experimento perfeito. Este deve ser moldado pela questão de pesquisa do investigador.

É importante salientar que em um experimento, ao contrário do que ocorre em simulações, as escolhas e sentimentos dos indivíduos independem do pesquisador. Este pode desenvolver um ambiente controlado, de acordo com seu interesse de pesquisa. Todavia, ele não está apto a controlar a decisão dos indivíduos, ainda que em experimentos os sujeitos envolvidos não tenham a noção de que estão sendo manipulados. Os participantes da pesquisa, portanto, não simulam seu comportamento. O ambiente criado pelo pesquisador não é meramente observacional, ele é real no sentido que indivíduos reais estão envolvidos. Assim, as simulações e as experiências servem a propósitos inteiramente distintos (Morton; Williams, 2009).

A seguir, categorizamos os tipos de experimentos mais considerados pela literatura. Tomamos esses conceitos do livro “From Nature to the Lab: The Methodology of Experimental Political Science and the Study of Causality” de Morton e Williams (2009). Muito embora, os próprios autores tenham uma visão mais restrita no tocante à definição de experimento, como já esclarecido.

Quadro 1. Definições de tipos de experimento

Tipos de experiment

Definição

Experimento de Laboratório

Quando os sujeitos são recrutados para um espaço físico comum chamado de laboratório e os sujeitos se comportam de acordo com as direções que o pesquisador conduz no local.

Experimento de Campo

Onde a intervenção do pesquisador ocorre em relação aos indivíduos. Ambientes naturais e o pesquisador tem apenas um controle limitado além da intervenção realizada. Normalmente, a relação entre o pesquisador e o sujeito é realizada através de variáveis que estão fora do controle do pesquisador.

Experimento Natural

Os dados não-experimentais ou observacionais gerados por ações da natureza que estão próximas aos tipos de intervenções ou manipulações que um experimentalista escolheria se ele ou ela pudesse.


Experimento de Política

Um experimento de campo em que uma agência governamental ou outra instituição decide intervir e agir como um experimentalista.

Fonte: Morton e Williams (2009, tradução nossa)

Em geral, experimentos também apresentam diferentes maneiras de mensuração. Conforme categoriza McDermott (2002) estas podem ser: auto relatos, medidas comportamentais, medidas fisiológicas e incentivos. Os primeiros normalmente têm a forma de relatos verbais ou escritos que podem ser adquiridos por meio de entrevistas, questionários ou pesquisas de survey. O segundo exige que o pesquisador observe minuciosamente expressões faciais, por exemplo, diante de um certo estímulo, o modo como os indivíduos agem coletivamente, no tocante à liderança, por exemplo, pode ser realizado por meio de filmagem fazendo-se uma análise posterior destas fitas. As medidas fisiológicas requerem ainda mais cautela quanto à sua mensuração, pois como descreve McDermott:

Medidas fisiológicas incluem dados como a frequência cardíaca, a resposta galvânica da pele, pressão arterial, ou exames mais extensos, como a ressonância magnética (MRI) ou testes de tomografia por emissão de pósitrons (PET). Mais testes invasivos, tais como os que analisam a saliva, urina, ou sangue, também podem ser realizados para determinar os níveis hormonais ou outras variáveis ​​de interesse (2002: 35, tradução nossa).

Os incentivos são de dois tipos: o pesquisador oferece um incentivo material, mais comumente dinheiro, aos indivíduos para que esses aceitem participar e compareçam ao estudo; ou este incentivo pode estar ligado intrinsecamente ao objetivo da pesquisa (McDermott, 2002).

A grande vantagem dos experimentos em laboratório estaria na capacidade de derivar inferências causais. Isto quer dizer que é possível, através de um experimento, afirmar que (X), a nossa variável independente, causa (Y) nossa variável dependente. O controle do meio ambiente de pesquisa permite com mais confiança alegar essas relações de causalidade entre as variáveis de interesse. Em termos científicos, isto é o mesmo que assegurar alto grau de validade interna. Disso se conclui que, são a partir de testes, experimentos que se pode formular “leis” gerais e, consequentemente, desenvolver e aprimorar teorias. Como exposto por Rose McDermott:

A principal vantagem de experimentos é que eles oferecem controle sem precedentes sobre as variáveis ​​de interesse. Isto acontece porque o método permite a manipulação experimental sistemática de variáveis ​​em um ambiente controlado, com indivíduos ordenados de forma aleatória. Experiências, assim, oferecem o mais alto grau de validade interna; experimentalistas podem ser bastante confiantes de que os resultados diferem em função das variáveis ​​manipuladas sistematicamente dentro das condições do experimento. Isso permite que os pesquisadores apresentem argumentos causais sobre os fatores que causam certos resultados, ou contribuem para eles, e os que não o fazem (2002: 56, tradução nossa).

Neste ponto, é razoável levantar a discussão de que, ao estabelecermos uma relação de causalidade, x causa y, devemos ter conhecimento prévio de quais os mecanismos explicativos para tal asserção. Popper, ao elaborar a “teoria do holofote” advogava neste sentido, de que as observações são secundárias às hipóteses, teorias e expectativas. Por mais que as técnicas estatísticas consigam, ao controlar variáveis espúrias, por exemplo, demonstrar relações de causalidade entre variáveis, o pesquisador não pode restringir sua análise às inferências advindas das técnicas, é necessário que suas hipóteses e resultados estejam balizados por teorias. O método como ferramenta associado à interpretação ativa do pesquisador, gera compreensão fundamentada dos fenômenos. E isto só é possível através de profundo conhecimento do que apresenta a teoria.

Seguindo com a explicação, como se conduz um experimento? Existem tipos de experimento, como explicado anteriormente. No nosso exemplo, iremos trabalhar com os experimentos de campo. Iremos considerar fontes de informação (enviesadas) como nossa variável independente (x), e o comportamento do eleitor como variável dependente (y), investigaremos se existe relação causal entre essas variáveis, ou seja, se as fontes de informação as quais os participantes terão acesso afetarão efetivamente suas decisões políticas. Estudo desta natureza, relacionando informação e voto, tem sido amplamente produzido por cientistas políticos que recorrem à metodologia experimental no intuito de avaliar teorias já consagradas ou mesmo obter novas perspectivas. Iremos nos basear em um estudo específico realizado por Gerber, Karlan, e Bergan (2007), que tinha este mesmo propósito, e realizaram um experimento durante a eleição governamental de 2005 na Virginia. Segundo Morton e Williams:

Gerber, Kaplan e Bergan selecionaram um conjunto de moradores do Condado de Prince William, Virgínia, que fica a 25 km de Washington, D.C. Washington, D.C. possui dois jornais nacionais, o Washington Post e o Washington Times; o primeiro é geralmente visto como um jornal liberal e o segundo é amplamente visto como um jornal conservador. Além disso, o Post havia endossado o candidato democrata para a eleição para governador da Virgínia e o Times havia endossado o republicano (Morton; Williams, 2009: 42, tradução nossa).

Os participantes da pesquisa adquiriam a assinatura por um mês grátis de um jornal nacional. Aqueles que já tinham a assinatura foram eliminados da amostra, de modo a não poluí-la. Dessa maneira descrevem Morton e Williams:

Os indivíduos foram aleatoriamente designados para um dos três grupos: um grupo que recebeu uma assinatura gratuita de um mês para o Post, um grupo que recebeu uma assinatura gratuita de um mês para o Times, e um grupo que não recebeu oferta. Gerber, Kaplan, Bergan descobriram que aqueles designados ao grupo do Post estavam oito pontos percentuais mais propensos a votar no candidato democrata para governador do que aqueles que não receberam o jornal gratuito. [...] Os resultados fornecem evidência de que os vieses na notícia podem afetar o comportamento eleitoral e atitudes políticas (2009: 43, tradução nossa).

Em suma, o método experimental pode ser “balizado” por algumas características fundamentais: Deve-se estabelecer uma população alvo para a realização do estudo; envolver manipulação no processo de geração de dados, como exaustivamente mencionado; evitar que variáveis do tipo confounding fators2 poluam a pesquisa; e atribuição aleatória dos indivíduos (Morton; Williams, 2009). O exemplo adotado atende aos requisitos acima, uma vez que selecionou um público específico para uma eleição governamental em um estado especifico (Virginia); houve clara intervenção por parte do investigador ao fornecer as fontes de informação segundo sua lógica de estudo; evitou possíveis variáveis do tipo confouding, garantindo que aqueles que já tinham a assinatura não participassem da amostra; e, por fim, dividiu aleatoriamente os participantes em três grupos -um grupo que recebeu uma assinatura o Post, um grupo que recebeu uma assinatura para o Times, e um grupo que não recebeu nenhuma assinatura- e assim foi possível testar sua hipótese.

Após analisar mais atentamente as diferentes formas de descrição do nosso objeto de estudo, é possível ter uma ideia mais lúcida dos alicerces teóricos da metodologia em questão. Constatamos sua vantagem particular no que diz respeito à capacidade de se derivar inferências causais, aumentando, assim, o nível de validade interna da pesquisa. Nas seções seguintes nos cabe investigar o que tem motivado trabalhos científicos a recorrerem à metodologia experimental, mais especificamente, o que motiva a ciência política a explorar, cada vez mais, esta metodologia. Partiremos, então, para o exame destas questões, cerne deste projeto.

4. O desenvolvimento

Até aqui, demonstrou-se analiticamente o evidente crescimento do uso e abordagem da metodologia experimental em trabalhos de ciência política. Sugere-se, com base na trajetória, que houve mudanças “paradigmáticas” na disciplina. A figura a seguir exibe o número de publicações experimentais ao longo de um espectro temporal em três importantes veículos de comunicação no campo da ciência política internacional (o American Political Science Review, o American Journal of Political Science e o Journal of Politics). O gráfico faz um levantamento desses dados do ano de 1950 até o ano de 2007, e acompanha o indubitável aumento destes trabalhos a um ritmo surpreendente.


fig2

Figura 2. Crescimento da metodologia experimental na ciência política
Fonte: (Morton; Williams, 2009: 04)3

Com base nos dados apresentados por Morton e Williams (2009), podemos visualizar que ao longo dos anos, trabalhos experimentais foram ganhando espaço em renomadas revistas e jornais de ciência política. Mesmo na América Latina, Dunning (2013) fez um levantamento de trabalhos relevantes que utilizaram experimentos de campo e naturais na região. Em um dos seus trabalhos, por exemplo, realizado no Brasil (2010) ele fez um experimento para comparar o efeito da raça e da classe nas preferências políticas. Ademais, Dunning lista estudos experimentais na Nicaragua -Hyde (2010)-; Mexico -Fried, Lagunes, e Venkataramani (2010)-; Paraguai -Finnan, Schechter (2010)-; e Brasil -Brollo e Nannicini (2010)- como trabalhos de alta relevância acadêmica, produzidos na América Latina.

Por que afinal a metodologia experimental tem sido amplamente utilizada por cientistas políticos? O que levam esses pesquisadores a incluir em seus desenhos de pesquisa mecanismos experimentais? Quais as vantagens subjacentes a essa metodologia? Existem questões que são mais adequadas de se investigar através de experimentos? O objetivo dos tópicos que seguem é buscar elucidar, a partir do que defendem as principais correntes do assunto, as razões mais substanciais que explicam esse cenário.

4.1 Avanços tecnológicos

O crescimento do experimentalismo na disciplina apresenta em um de seus pilares explicativos o avanço tecnológico, o desenvolvimento de softwares: inovações no modo como se fazer ciência.

Uma visão comum apontada pela literatura está calcada no argumento de que a tecnologia tem atribuído à ciência política o caráter de uma disciplina experimental. Na verdade, a partir dos anos de 1990, ao qual podemos observar uma alteração notável em termos de aderência à metodologia, a justificativa dominante está na acessibilidade a programas de computadores, seja pela emergência, facilidade, ou custos mais baixos. Ademais, através de softwares que podem ser aplicados em laboratórios ou mesmo via internet, torna-se muito mais viável elaborar desenhos de pesquisa que incluem técnicas experimentais, afinal, ampliam-se as possibilidades, o pesquisador não precisa mais reger determinados procedimentos manualmente, por exemplo.

O desenvolvimento das ferramentas de computadores ainda otimiza pesquisas de survey, ocupa-se de questões estatísticas, além de solucionar outros problemas metodológicos envolvidos em experimentos de campo e experimentos naturais (Morton; Williams, 2006). Por exemplo, ao realizar estudos de opinião pública, pesquisadores, pode-se dizer que via de regra, têm adotado surveys experimentais4. Certamente, avanços tecnológicos transformaram tarefas às vezes de difícil manipulação, relacionado a itens da pesquisa, em um caminho fácil, como a ordem das perguntas ou a maneira como as questões são formuladas (Gaines; Kuklinski, 2007).

De acordo com Iyengar (2009: 04, tradução nossa) “uma explicação óbvia para a taxa lenta de crescimento em pesquisa experimental foi a ausência de infraestrutura necessária”. Até a década de 70 não havia laboratórios adequados, com aparato tecnológico suficiente que atendesse às exigências condicionantes de uma pesquisa experimental. Foi apenas com o surgimento de um laboratório experimental sofisticado na Universidade Estadual de Nova York em Stony Brook, qualificado para realizar experimentos voltados para psicologia política, que se pôde criar estrutura para que não só se viabilizasse a prática dos experimentos, mas que também se formasse profissionais especialistas na área. A partir daí, emergiram outros centros de mesma natureza e interessados em produzir experimentos com base em vertentes diferenciadas, ou seja, a partir de diretrizes de outras disciplinas.

Durante os anos 80, evidenciou-se o interesse pelo uso de experimentos, sobretudo pelos avanços promovidos pelo campo da psicologia. O desenvolvimento tecnológico e metodológico motivou cientistas políticos, como podemos constatar pela análise gráfica. O aumento significativo a partir da década de 90 coincide com a disponibilidade de novas ferramentas tecnológicas, a exemplo do CATI (computer-assisted telefone Interviews) para implementar pesquisas de survey (Sniderman; Grob, 1996). Na verdade, como relatam:

Quase dois terços das pesquisas experimentais publicadas nas revistas ocorreram após 1992. Outra contribuição foi o aumento da disponibilidade de softwares experimentais relevantes, tais como programas que facilitam a criação de ambientes estratégicos semelhante aos modelos da teoria dos jogos e da tecnologia que permite aos pesquisadores editar formas diversas de apresentações de mídia(Druckman et al2006: 269, tradução nossa).

Através do CATI, questões relacionadas à ordem das perguntas, a escolha das palavras e formatos utilizados nos questionários passam a ser gerenciadas por um programa de computador. Dessa maneira, apesar da complexidade que envolve desenhos de pesquisa experimentais, esses requisitos da pesquisa passam a ser de simples manipulação. Assim admitem Morton e Williams:

Um dos avanços mais interessantes em pesquisas de surveys experimentais encontra-se na obra de Paul Sniderman com o computer-assisted telephone interviewing (CATI), ver Sniderman, Brody, e Tetlock (1991). Usando computadores, os telefones podem ordenar aleatoriamente perguntas a indivíduos, manipulando o ambiente de pesquisa. Além disso, modernos computadores portáteis também permitem que os entrevistadores também realizem entrevistas face-a-face, usando-se de atribuição aleatória. Cada vez mais, as pesquisas de surveys experimentais estão sendo conduzidos através da internet (2009: 206, tradução nossa).

É válido supor que pesquisas experimentais possam acarretar um custo mais elevado em relação a outros modelos de pesquisa, tendo em vista os recursos necessários. No entanto, quanto a esse propósito, McDermott afirma:

Embora experiências de laboratório possam ser mais custosas e demoradas do que algumas outras metodologias de pesquisa, como “formal modeling”, elas são certamente mais econômicas do que a realização de grandes pesquisas de campo experimentais. Os alunos são sujeitos relativamente baratos e confiáveis, e um grande número dos experimentos podem ser executados em um semestre. Experiências maiores (Sniderman et al. 1.991, Kuklinski et al., 1997) podem fornecer uma amostra mais representativa, mas também exigiria muito mais tempo e dinheiro para administrar (2002: 39, tradução nossa).

Apesar de experiências de campo, como ratifica a autora acima, parecer mais custosa em termos temporais e financeiros, Green e Gerber (1999: 102, tradução nossa) argumentam que “Embora experimentos de campo variem muito em termos de custos, o acesso ao financiamento da investigação é certamente uma vantagem”.

Além disso, outra evolução significativa foi o programa Time-Sharing Experiments in the Social Sciences (TESS), que Arthur Lupia da Universidade de Michigan e Diana Mutz da Universidade da Pensilvânia têm trabalhado e facilitado o melhoramento de surveys experimentais em ciência política. O programa fornece aos pesquisadores uma vasta amostra, com indivíduos selecionados aleatoriamente, e a infraestrutura necessária para a realização de experiências com uma população com tais características (Morton, 2006). Um outro dado que contribui para o argumento da ampliação dos trabalhos experimentais, em virtude do avanço tecnológico, baseia-se no fato de que alguns cientistas se utilizam de procedimentos clínicos, como ressonância magnética, para medir a atividade cerebral dos indivíduos ao fazerem escolhas, por exemplo (ver Dickson; Scheve, 2006).

Druckman et al (2006) ainda reconhecem que a criatividade e a originalidade advindas dos pesquisadores se mostram tão importantes (ou mais) que software e programas que facilitam a criação de ambientes estratégicos. Na subseção seguinte discutiremos como é possível aos cientistas usarem-se de criatividade na abordagem de seus estudos atentando para a relevância da integração entre desenhos de pesquisa. Mapearemos debates metodológicos consagrados na literatura buscando demonstrar quais são os ganhos que a ciência adquire a partir de metodologias agregadas, inclusive a lógica experimental.

4.2 Integração entre desenhos de pesquisa

Este segmento do trabalho situa-se no debate metodológico que permeou obras de grande envergadura, que fomentaram questões relativas aos limites e possibilidades das duas tradições dominantes -pesquisa qualitativa, pesquisa quantitativa- no tocante aos desenhos de pesquisa. Pretendemos tratar aqui dos benefícios advindos da integração entra as metodologias qualitativa e quantitativa no âmbito das pesquisas experimentais, de como essa discussão ganhou força e anuência, e o modo como se estendeu à lógica experimental.

A partir de uma perspectiva contemporânea, converge-se para o argumento fortemente defendido por King, Keohane, e Verba (1994) de que a preocupação central num estudo científico deve ser voltada para o modo como elaborar o problema de pesquisa, as questões referentes aos desenhos de pesquisa passam a ser o cerne do debate. Robert Putnam (1993) demonstrou a partir da sua célebre obra Making Democracy Work, que ambas as metodologias poderiam ser perfeitamente integradas para que se produzissem questões de pesquisas mais fecundas. Desse modo, conclui-se que não existe a noção de superioridade no que tange ao uso de um método em detrimento do outro, a diferença seria de caráter estilístico e no uso de técnicas distintas. A ênfase passa a ser voltada ao modo como agregar essas duas lógicas de análise, independente do problema de pesquisa a ser abordado (King, Keohane, e Verba, 1994).

Em meados dos anos 80, estudiosos passaram a fazer amplo uso de ferramentas estatísticas avançadas para examinar base de dados a fim de estabelecer relações de causalidade. E nessa busca, os quantitativistas, que formulavam suas teorias e fundamentos a partir de dados observacionais, promoveram substanciais contribuições no estudo das ciências sociais. Por outro lado, problemas relativos à endogeneidade, viés de seleção, inconvenientes os quais frequentemente essa metodologia pode apresentar, mitigavam a validade destes trabalhos. Neste contexto, alguns cientistas políticos começaram a buscar na metodologia experimental novos caminhos para se derivar inferências causais.

Pesquisas qualitativas, isoladamente, também apresentam suas limitações e têm sido usualmente apontadas pela literatura:

Em contraste com a experiência, as fraquezas inerentes às pesquisas de survey para isolar os efeitos das variáveis ​​causais têm sido amplamente documentadas. Em um artigo muito citado, Hovland (1959) identificou vários artefatos problemáticos de estudos baseados em surveys de persuasão incluindo mensurações não confiáveis ​​de exposição à mídia. Claramente, a exposição é uma pré-condição necessária para a influência da mídia, mas auto relatos de exposição à mídia é dificilmente equivalente à exposição real. As pessoas têm notoriamente memórias fracas para experiências políticas (ver, por exemplo, Pierce e Lovrich 1982; Bradburn, Rips e Shevell 1987 (Iyengar, 2009: 8, tradução nossa).

Além disso, auto relato pode estar em ligação direta com dados enviesados. Até porque é perfeitamente plausível admitir que os agentes façam declarações que não necessariamente sejam condizentes com suas opiniões, mas que estejam em correspondência com outros interesses:

Um obstáculo ainda mais sério à inferência causal no contexto das pesquisas de survey é que os indicadores da variável causal (auto relato em relação à exposição de mídia na maioria dos estudos de comunicação no âmbito da política) são tipicamente endógenos a uma série de resultados, variáveis ​​que os pesquisadores procuram explicar (como a preferência do candidato). Aqueles que afirmam ler jornais ou assistir notícias da televisão frequentemente, por exemplo, diferem sistematicamente (de maneira que são importantes para a escolha de seus votos) daqueles que assistem à mídia com menos frequência (Iyengar, 2009: 9, tradução nossa).

Paluck (2010), em seus trabalhos recentes, admite que pesquisas de campo experimentais consiste num dos mais eficazes métodos no tratamento de relações de causalidade no “mundo real”, e este não é inerentemente quantitativo. A teórica defende os benefícios da integração das mensurações do tipo qualitativa e quantitativa dentro dos experimentos de campo, perpassando exemplos do seu trabalho experimental na África Central, e declara (Paluck, 2010: 61, tradução nossa): “Defendo que mensuração do tipo qualitativa dentro do campo experimental conduz a uma melhor compreensão do efeito causal, sugere explicações causais plausíveis, e descobre novos processos que são invisíveis a uma certa distância”.

Similarmente, Mcdermott em defesa da metodologia discorre:

Experimentos podem ser usados ​​de forma muito eficaz, assim como na economia experimental, para fornecer um meio termo entre a teoria e dados empíricos ocorridos naturalmente. Reciprocidade entre os modelos formais e teste experimental avançou teoria e método em economia comportamental, e pode exercer função similar na ciência política também. Além disso, experimentos podem ser usados para triangular várias questões as quais outros métodos produziram resultados inconsistentes, ou seja, contraditórios. Finalmente, as experiências podem ser eficazes em processos complexos, quebrando-os em pedaços isolados, que podem então ser examinadas e explorado em detalhes e em interação (2002: 42, tradução nossa).

Em suma, experimentos quando integrados com outros métodos, seja qualitativo seja quantitativo, é capaz de produzir um conhecimento mais amplo, mais fecundo. Produzindo, portanto, avanços de caráter teórico e metodológico na ciência política. Estas considerações têm sido, progressivamente, mais discutidas e mais bem aceitas pela literatura pertinente na nossa disciplina.

4.3 Legitimação como ciência

A complexidade dos eventos sociais carregados de viés cultural, de agência, de contexto, elementos que tornam de difícil compreensão estes fenômenos, reflete, por um lado, numa visão que rejeita a noção de uma ciência política progressista, seguindo a perspectiva contrária, de uma “anti-ciência”, “anti-método”. Por outro lado, há uma outra tradição que alega: “métodos científicos podem ser tão valiosos para eventos intrinsecamente complexos como para os mais simples. Complexidade é susceptível de fazer nossas inferências menos certas, mas não deve fazê-las menos científicas” (King, Keohane, e Verba, 1994: 10, tradução nossa).

Existe um debate extenso nas ciências sociais ao qual uma gama de autores defende que a ciência política devia aproximar-se de métodos adotados pelas ciências naturais, enquanto outra corrente de pensadores que ressalta sua vertente ontológica, alega que a introdução ao método científico é uma “ilusão nociva”, e que as verdades básicas sobre política seriam descobertas através do diálogo com os clássicos e os textos antigos (Almond, 1996). Em décadas mais recentes, a produção voltada para o estudo de fenômenos políticos tem buscado abandonar essa tradição ontológica, encarando os eventos políticos como sendo passíveis de objetificação, como nas ciências da natureza. Esta tendência pode ser entendida em parte como mais um paradigma da disciplina, a partir de uma lógica neopositivista, busca-se legitimar a ciência política no campo das ciências.

O experimentalismo na ciência política, como já elucidado, desenvolveu-se com base nos padrões advindos da economia, da psicologia e da estatística. Assim, foram a partir de modelos mais rigorosos de mensuração, que a ciência política empenhou-se em produzir teorias, baseado na percepção que este método seria o melhor meio de se estabelecer relações de causalidade entre variáveis. Por essa razão, foi alvo de várias críticas, por exemplo: se a maioria dos métodos vem de fora da disciplina, então pode ser que os métodos destinados a resolver questões que são mais específicas da disciplina sejam menos desenvolvidos, como consequência, essas questões de pesquisas podem receber menos atenção (Morton; Williams, 2009). Ademais, os esforços feitos por essas disciplinas para lidar com a complexidade da realidade social, implementando modelos advindos das “ciências duras”, vem envolvendo um maior grau de dificuldade do que se podia esperar (Almond, 1996).

Não obstante, no debate epistemológico, teóricos como Leo Strauss e Karl Popper fomentaram o debate, posicionando-se contra essa visão mais positivista da disciplina. Leo Strauss teceu críticas aos fundamentos teóricos de Max Weber e à tendência behavioral na ciência política. Karl Popper trabalhou a noção de cast-iron control, ou seja, o autor advogava que se é possível pensar em causalidade no que tange a fenômenos sociais, é equivalente a admitir uma realidade sem exceções, surpresas ou inovações, seria um cenário completamente distinto do contexto político.

Dentro da própria literatura que trata de experimentos existem fortes críticas à metodologia, e ao tratamento relativo aos fenômenos sociais. Para os cientistas políticos, questões concernentes à validade externa5 dos experimentos têm incitado as maiores controvérsias. Primeiramente, estudos realizados em laboratórios lidam com dificuldades para operar com atores políticos reais em um cenário forjado artificialmente, e alcançar resultados satisfatórios. Em outras palavras, existem barreiras práticas que inviabilizam a manipulação adequada das variáveis chave de interesse. Todavia, vale ressaltar que a validade externa pode ser bem estabelecida através de replicações, “o mesmo modelo deve ser conduzido em múltiplas populações, utilizando múltiplos métodos, para que se determine a validade externa de qualquer paradigma experimental” (Green, Gerber, 1999: 102, tradução nossa).

McDermott (2002) ressalta ainda que em um experimento a mudança de comportamento dos sujeitos ao perceberem que estão sendo observados, é um outro inconveniente que pode mitigar a validade da pesquisa. Uma forma de lidar com esse problema, alega a autora, seria garantir que os envolvidos na pesquisa experimental, tanto os que se submetem ao estudo quanto os que codificam os dados, se possível, estajam alheios à hipótese de trabalho.

Por outro lado, levando em conta que o foco da ciência social é o comportamento dos indivíduos, sendo na maioria das vezes seu objeto de análise, questões éticas estão envolvidas. Como elucidado anteriormente, na pesquisa experimental, idealmente, os participantes não devem ter o conheciemento de que estão sendo manipulados. Todavia, dentre as preocupações centrais no tocante à ética na pesquisa está a garantia de que os sujeitos estão voluntariamente envolvidos e informados de todos os potenciais riscos (Berg, 2001). Todo trabalho que envolve humanos deve ser submetido a códigos de ética, e no caso do experimento, esse requisite se faz ainda mais forte.

Não obstante, dificuldades relacionadas à obtenção de dados ou mesmo a validade dessas investigações não podem desestimular os pesquisadores. Segundo King, Keohane, e Verba:

Incerteza e dados limitados não devem levar-nos a abandonar a pesquisa científica. Pelo contrário: a maior recompensa para o uso das regras de inferência científica ocorre justamente quando os dados são limitados, ferramentas de observação são falhas, as medições não são claras, e os relacionamentos são incertos. Com relações claras e inequívocas de dados, o método pode ser menos importante, uma vez que regras parcialmente falhas de inferência podem produzir respostas que são parcialmente corretas (1994: 10, tradução nossa).

Cientistas políticos contemporâneos têm focalizado, como argumenta a literatura, em buscar estabelecer explicações de causalidade em suas teorias, como outras disciplinas já vinham trabalhando, posicionando-se diferentemente da ciência política tradicional, de caráter ontológico. Entretanto, Almond admite:

Nosso argumento do crescimento do conhecimento político definido como a capacidade de tirar inferências lógicas a partir de um corpo crescente de evidências confiáveis​​, que esses "historiadores" da ciência política se referem como "neopositivismo", seria apenas um dos vários argumentos e que ninguém teria qualquer direito de alegar especial validade (1996: 83, tradução nossa).

No paradigma atual da disciplina, existe uma crença progressiva de que o método experimental pode lançar luz a diferentes desenhos de pesquisa, a fim de estabelecer desdobramentos teóricos mais consistentes.

4.4 Novas questões de pesquisa

Na busca por questões mais profundas, e seguindo o pressuposto de que dados observacionais não seriam mais adequados para responder a algumas questões de pesquisa, mais especificamente, importantes questões que sugerem causalidade entre as variáveis em análise, que muitos estudiosos buscaram trabalhar com desenhos de pesquisa experimental. Estas restrições, portanto, parecem ser um dos fatores que explica o contingente crescente de adeptos à metodologia. Assim apontam Morton e Williams:

Por causa da crença na inabilidade dos dados observacionais para responder a questões causais, alguns pesquisadores recorreram a métodos experimentais. Iyengar e Kinder (1987), realizaram uma série de experimentos onde os cidadãos viam noticiários de televisão que eram discretamente alterados. Ao atribuir aleatoriamente aos cidadãos a diferentes tratamentos e controlar o conteúdo dos noticiários, os pesquisadores foram capazes de determinar em que medida os noticiários de televisão afetavam as opiniões políticas dos cidadãos (2009: 10, tradução nossa).

Os experimentos permitem que os pesquisadores explorem seus objetos de estudo de uma maneira muito mais detalhada. Através deles é possível observar como se comportam determinadas variáveis na presença ou na ausência de outras variáveis. É possível estabelecer os graus em que a variável independente será aplicada. Assas afirmações são plausíveis uma vez que a manipulação do meio ambiente de pesquisa, além da distribuição aleatória dos indivíduos, possibilita com mais confiança essas asserções de causalidade.

Gerring (2004) e Smith (2002) assumem que se fosse possível aplicar experimentos numa vasta quantidade de pesquisas e temáticas em ciência política, efetivamente o método experimental seria o melhor para a finalidade de se derivar inferências causais. Todavia, em algumas eventualidades experimentos simplesmente não são possíveis. Disso conclui-se que intervenção e controle dos mecanismos que regem a pesquisa são ideais para estabelecer causalidade dentro daqueles temas que assim os permitem.

Por exemplo, McDermott (2002) atenta que essa metodologia não parece cabível ao estudo de muitos fenômenos de interesse dos cientistas sociais. Não parece ser muito simples simular uma eleição com a preocupação de estar o mais próximo da realidade social. Ou, mais drasticamente, uma guerra, uma recessão econômica, e assim por diante.

Druckman et al. (2006) baseados nas terminologias adotadas por Roth (1995), determinam as diferentes formas que a metodologia experimental tem tomado nos estudos da ciência política. A primeira denominada de “à procura de fatos” (“searching for facts”) tem por objetivo “isolar a causa de uma regularidade observada, variando detalhes em relação à forma como foram realizados os experimentos. Tais experiências fazem parte do diálogo que os experimentalistas mantêm um com o outro”. (Druckman et al., 2006: 629, tradução nossa). A segunda “falando com teóricos” (“speaking to theorists”) intenciona testar hipóteses de modelos bem articulados na teoria “tais experiências são destinados a servir de base para o teórico da literatura - isto é, elas fazem parte de um diálogo entre pesquisadores e teóricos" (Druckman et al., 2006: 629, tradução nossa). A terceira é chamada “sussurrando nos ouvidos dos príncipes” (“whispering in the ears of princes”) a qual facilita o diálogo entre experimentalistas e os tomadores de decisões políticas, “o ambiente experimental é projetado para assemelhar-se o mais próximo, em certos aspectos, a ambientes naturais que é o foco do interesse para os fins políticos” (Druckman et al, 2006: 629, tradução nossa).

Desse modo, e tendo em vista esses propósitos, os experimentos produzidos na ciência política passaram a atender áreas específicas, a partir de interesses específicos. Como categorizado por McDermott, (2002) as investigações, normalmente, estão mais focadas em questões relacionadas à votação e eleições, esferas decisórias, e problemas de coordenação e cooperação.

Morton e Williams descrevem um exemplo ao qual a metodologia bem se aplica:

Por exemplo, suponha que um pesquisador está interessado em avaliar como os eleitores vazem suas escolhas em uma eleição de três partidos conduzida pela regra da pluralidade e comparada à forma como eles iriam escolher em uma eleição idêntica de três partidos conduzida através de representação proporcional. O pesquisador pode realizar duas eleições de laboratório onde os pagamentos dos indivíduos dependem do resultado da eleição, mas alguns votam em uma eleição de representação proporcional e outros votam em uma eleição majoritária. O pesquisador pode, então, comparar o comportamento dos eleitores nos dois tratamentos. Nesta experiência, e em muitos outros como ele, o aspecto de controle que é mais importante não é o fato de que o investigador tem uma comparação, mas que o investigador pode controlar variáveis ​​tais como as preferências dos votantes e identidades de candidatos, a fim de fazer a comparação significativa (2009: 229, tradução nossa).

E continuam:

Para fazer a mesma inferência causal com dados observacionais sozinhos o pesquisador precisa fazer duas coisas: (1) confiar em métodos estatísticos para controlar variáveis ​​do tipo “confounding” ​​, tais como funções de controle em equações de regressão, dezenas de proximidade, ou métodos de correspondência e (2) garantir que na hipótese não existam variáveis ​​que confundem a relação causal que o pesquisador está tentando medir (Morton; Williams 2006: 07, tradução nossa).

Quando se utiliza dados observacionais, há diversos aspectos que não podem simplesmente se manter constantes, em outras palavras, não há como manipular determinadas variáveis de interesse. Ao fazer uso de experimento, há possibilidade de assegurar que algumas variáveis, antes impossíveis de controlar, possam ser passíveis de manipulação, além disso, dados que não eram claramente observáveis, passam a ser mais bem compreendidos.

Em suma, alguns autores advogam que até mesmo pesquisadores que fazem uso de métodos estatísticos derivam suas lógicas e hipóteses de analogias experimentais (Druckman et al., 2006). Ademais, Gerring e McDermott (2007) ainda sugerem que a pesquisa qualitativa se ​​beneficiaria se se prestasse a rever seus conceitos de estudo de caso, baseando-se em modelos experimentais.

5. Conclusão

Ao longo do trabalho, buscou-se esclarecer com o máximo de esforços as características inerentes ao método experimental, por meio da literatura e autores eminentes que compõem a conjuntura atual dos debates metodológicos na disciplina. Vimos que a principal vantagem dos experimentos está na vantagem irrefutável de derivar inferências causais. Com outras palavras, o benefício está na capacidade que o pesquisador adquire, ao optar por desenhos de pesquisas experimentais, de isolar e testar os efeitos de componentes específicos. O desenvolvimento tecnológico, avanços nas pesquisas de survey e softwares; a preocupação crescente na disciplina no que tange à integração entre desenhos de pesquisa, a contribuição positiva que acarreta para a pesquisa científica; o tratamento de novas questões de pesquisa; além da intenção de consolidar a disciplina entre as demais ciências, todos esses argumentos foram apontados como justificativas plausíveis para o crescimento do interesse e aprovação da metodologia perante a comunidade epistêmica.

Com base nos esforços do trabalho, espera-se que este tenha elucidado, à luz das teorias, suas questões levantadas, e que tenha excedido este propósito ao ampliar visões e possibilidades que o método experimental apresenta aos fundamentos da ciência política.

Notas

1 “Especificamente, o ‘framing effect’ é dito que ocorre quando, no curso de descrever um problema ou evento, a ênfase de um orador em um subconjunto de considerações potencialmente relevantes faz com que os indivíduos se concentrem nessas considerações ao construir as suas opiniões” (Druckman, 2001: 1042, tradução nossa).

2 “Um método para controlar as variáveis ​​“confounding” é comparar os resultados experimentais com os que a manipulação não ocorreu, entretanto todas as outras condições observáveis ​​são idênticas. Isto é, se todas as outras condições são mantidas constantes, são idênticas, e a única diferença entre os dois resultados (o resultado quando a manipulação não ocorrer e o resultado quando a manipulação ocorre) é a manipulação experimental, em seguida, o pesquisador pode argumentar que o efeito que ele ou ela mede é verdadeiramente causal, isto é, a manipulação causou qualquer diferença entre os dois resultados” (Morton; Williams, 2009, tradução nossa).

3 Disponível em: Morton, Rebecca and Kenneth Williams.2009. From Nature to the Lab: The Methodology of Experimental Political Science.and the Study of Causality.

4 “Uma pesquisa de survey experimental é um tipo de experiência de tomada de decisão individual em que os investigadores atribuem aleatoriamente aos sujeitos diferentes questões (tratamentos) de pesquisa como parte de uma pesquisa de opinião pública. (...) Survey experimental é um tipo de tomada de decisão individual experimental que pode ser realizadoem laboratório, no campo, ou através da internet (Morton; Williams, 2009, tradução nossa).”

5 “A verdade aproximada da inferência ou afirmação de conhecimento para além das observações da população alvo estudada (Morton; Williams, 2009, tradução nossa).”

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Recibido: 29 de agosto de 2014
Aceptado: 31 de marzo de 2015
Publicado: 7 de junio de 2016

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