RELMECS, junio - noviembre 2021, vol. 11, nº1, e091. ISSN 1853-7863
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Centro Interdisciplinario de Metodología de las Ciencias Sociales
Red Latinoamericana de Metodología de las Ciencias Sociales

Artículos

Explicações e Desenhos na Ciência Política: O caso do Comparecimento Eleitoral

Flávio da Cunha Rezende

Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Caio Gomes Brandão Rios

Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Cita sugerida: Rezende, F. da C. y Rios, C. G. (2021). Explicações e Desenhos na Ciência Política: O caso do Comparecimento Eleitoral. Revista Latinoamericana de Metodología de las Ciencias Sociales, 11(1), e091. https://doi.org/10.24215/18537863e091

Resumo: O artigo se propões a analisar o argumento de que explicações institucionais e comportamentais coexistem na Ciência Política contemporânea o que, por sua vez, aumenta o leque de desenhos de pesquisa disponíveis para testar os argumentos propostos. Utilizando o caso da literatura sobre o comparecimento eleitoral, identificamos duas perguntas fundamentais que remetem, cada uma, a perspectivas teóricas distintas. A primeira (por que o eleitor vota?) é explicada no nível do indivíduo e teorias comportamentais são mais apropriadas. A segunda (por que as taxas de comparecimento variam de país para país?) necessita comparar estruturas e arranjos institucionais para ser respondida. Três hipóteses são propostas sobre a coexistência dos modelos teóricos nas publicações recentes e suas respectivas relações com desenhos experimentais e qualitativos.

Palavras-chave: Comparecimento eleitoral, Instituições, Comportamento, Pluralismo inferencial.

Explanations and Designs in Political Science: The case of electoral turnout

Abstract: The article proposes an analysis of the argument that institutional and behavioral explanations coexist in contemporary Political Science, which, in turn, increases the range of research designs available to test the proposed arguments. Using the case of the literature on voter turnout, we identified two fundamental questions that refer to different theoretical perspectives. The first (why does the voter vote?) is explained at the individual level, therefore, behavioral theories are more appropriate. The second (why do turnout rates vary from country to country?) needs to compare institutional structures to be answered. Three hypotheses are proposed about the coexistence of theoretical models in recent publications and their relationship with experimental and qualitative designs.

Keywords: Turnout, Institutions, Behavior, Inferential Pluralism.

1. Introdução

Em que medida teorias comportamentais e institucionais são acompanhadas por desenhos de pesquisa distintos? Utilizando o caso da literatura sobre o comparecimento eleitoral, observaremos se explicações voltadas para o nível do indivíduo são mais propensas a utilização de desenhos experimentais, enquanto modelos que utilizam variáveis institucionais seriam voltadas a desenhos da nova metodologia qualitativa.

Analisaremos o caso do comparecimento eleitoral, pois a presença das duas tradições (institucional e comportamental) é bem demarcada. Existem duas perguntas centrais que essa literatura tenta responder: (1) Por que as taxas de comparecimento eleitoral variam de país para país? (2) Por que o eleitor vota? Para a primeira pergunta os pesquisadores são levados a comparar diferentes arranjos institucionais e como eles influenciam o turnout. Logo, teorias institucionais são mais requisitadas. Já a segunda pergunta necessita diminuir o nível de análise para o indivíduo. Teorias comportamentais e da escolha racional são mais propensas a serem utilizadas para explicar tal fenômeno.

Ainda que o foco deste artigo seja o de realizar inferências descritivas, três hipóteses são sugeridas para análise. A primeira hipótese desrespeita a coexistência entre modelos comportamentais e institucionais na literatura. Isto é, será que há uma primazia teórica para explicar o comparecimento eleitoral?

A segunda propõe uma relação entre desenhos experimentais e modelos comportamentais. Os experimentos são tidos como o “padrão ouro”1 entre os desenhos de pesquisa, logo sua utilização é almejada. Teorias institucionais, no entanto, possuem certa dificuldade em ser testadas, pois as instituições são por demais endógenas (Przeworski, 2009). Por outro lado, teorias comportamentais, por serem modeladas ao nível do indivíduo, podem driblar esse problema com mais facilidade. Indivíduos são mais facilmente manipuláveis para tratamentos experimentais.

Por último, sugiro que existe uma relação entre modelos institucionais e outros tipos de desenhos de pesquisam que levam em consideração o contexto, configurações causais e mecanismos. Como o grande problema das explicações institucionais é que instituições estão inseridas em contextos excessivamente complexos e muitas vezes únicos, é razoável supor que desenhos da nova metodologia qualitativa sejam utilizados.

Para observar a coexistência dos modelos comportamentais e institucionais, e suas relações com os desenhos de pesquisas experimentais e observacionais na literatura do comparecimento eleitoral, analisaremos o caso a partir de duas técnicas diferentes. Primeiramente, a partir de análises bibliométricas serão observadas características mais gerais dos artigos, tais como, o título, as palavras-chave, os resumos e as referências citadas por eles. Depois, aplicarei análise de conteúdo para observar “mais de perto” as publicações. Em outras palavras, observar o conteúdo dos artigos que compõem a literatura do comparecimento eleitoral.

Esse artigo está dividido em cinco partes. Na seção seguinte serão abordadas as duas vertentes de explicação do comparecimento eleitoral. Depois, as hipóteses e o desenho de pesquisa serão apresentados. Os resultados serão apresentados e analisados na quarta seção. Por último, algumas considerações finais concluem o artigo.

2. Instituições Endógenas e o Pluralismo Inferencial

Para compreender possíveis problemas metodológicos e variações nos desenhos disponíveis é importante entender a ontologia das instituições. Isto é, o que são e como se dá sua relação com o mundo. Com a instauração do que se convencionou chamar de novo-institucionalismo (Hall & Taylor, 1996) surgiram diferentes maneiras de entender o que de fato são as instituições e qual seu papel nas explicações dos fenômenos sociais. Para alguns, numa perspectiva de escolha racional, as instituições surgem para gerar e(ou) manter equilíbrios dos indivíduos (Riker, 1980; Ferejohn & Fiorina, 1974). Para outros, as instituições nascem e se moldam a depender do contexto em que estão inseridas; seus efeitos seriam fortemente atrelados a sua trajetória no tempo (path dependence) (Thelen, 1999). O papel que as instituições possuem na sociedade é visto de maneiras distintas a depender da corrente teórica que o pesquisador escolhe seguir. Isso tem uma implicação direta na escolha metodológica dessas pesquisas (Hall, 2003). Os desenhos e técnicas disponíveis para mensurar efeitos causais possuem seus próprios pressupostos, e estes precisam estar alinhados com os pressupostos teóricos que os pesquisadores adotam. Se alguém considera que instituições são intrínsecas ao contexto em que emergem, é difícil defender a utilização de regressões por exemplos, que possui o pressuposto da homogeneidade das unidades (Przeworski, 2009).

De fato, as instituições estão sempre inseridas em um contexto composto por configurações e histórias distintas entre os casos. Essa conjuntura nos leva a questionar a validade do estudo comparado das instituições (Maclntyre, 1973; Przeworski, 2004; Przeworski, 2009). O pressuposto básico do institucionalismo é que instituições importam, isto é, possuem efeito sobre o comportamento humano e sobre macroestruturas como economia, partidos ou guerras, por exemplo. O problema surge quando se tenta identificar esses efeitos (Angrist & Pischke, 2009). Explicar seu efeito sob uma lógica experimental seguindo o modelo de potential outcomes seria impossível (Przeworski, 2009).

Nessa conjuntura, Rezende (2015a) desenvolve a teoria do pluralismo inferencial. O argumento central é que a lógica da explicação na Ciência Política segue a equação fundamental da política proposta por Plott (1991). Os fenômenos sociais devem ser entendidos a partir da mediação dos agentes, suas escolhas e as instituições. Isto é, as instituições, mesmo que possuam alto grau de endogeneidade, não podem ser afastadas da explicação política levando os pesquisadores a criar estratégias de identificação que possam contornar os problemas acima listados. Somado a isso, o retorno do comportamentalismo, trazendo consigo inovações metodológicas e maior rigor na busca de inferências causais, apresenta uma conjuntura única na disciplina em que múltiplas lógicas de inferência são necessárias ampliando o leque de desenhos de pesquisas disponíveis (Rezende, 2015a). Essa conjuntura está inserida na “revolução de credibilidade” vivenciada pela Ciência Política desde meados da década de 1990 (Rezende, 2015b)2.

3. Comparecimento eleitoral: duas perguntas fundamentais

O comparecimento eleitoral é um fenômeno largamente estudado pela Ciência Política Contemporânea. Entender o que leva o cidadão a votar – os determinantes do voto -ou se abster tem um impacto significativo no sistema político, visto que o direito de votação é um dos principais determinantes de um governo democrático. Ainda que seja um direito cívico, nem todo mundo comparece às urnas no dia da eleição. Por que isso acontece? Lijphart (1997) chama esse fenômeno de “o dilema não resolvido da democracia”. Realmente aparentemente a abstenção em alta escala é um sério problema para a representação democrática. Supomos, por exemplo, que a abstenção nas urnas não aconteça de forma aleatória, isto é, algum segmento da população tem maior probabilidade de não comparecer. Eles seriam subrepresentados, pois político racional (que pretende se reeleger) irá concentrar seus esforços (políticas) para representar aqueles que votam (Griffin & Keane, 2006).

Por esses motivos, esse fenômeno chama bastante atenção entre a comunidade acadêmica da Ciência Política. Contudo, há uma clivagem nessa literatura no que concerne ao modo de explicar o comparecimento eleitoral. Como dito acima, as perspectivas institucional e comportamental coexistem na CP (Rezende, 2017) mas suas abordagens de explicações são distintas. Isso não é diference na literatura que estuda o turnout nas eleições. A grande diferença entre os modelos institucionais e comportamentais é seu nível de análise. Enquanto estas concentram suas explicações no nível micro (individual), aquelas tendem a utilizar como variáveis independentes categorias do nível macro (instituições). Deste modo, as grandes explicações sobre o fenômeno do comparecimento eleitoral giram em torno destas duas perguntas: Por que o eleitor vota?, e, por que as taxas de comparecimento eleitoral varia de país para país?

3.1. Por que o eleitor vota?

Por que o eleitor vota? Essa pergunta mobiliza a maior parte da literatura sobre comparecimento eleitoral. Entender o que se passa na cabeça do eleitor para escolher um candidato e comparecer no dia da eleição é um desafio considerável para Ciência Política. Desde Downs (1957), as teorias da escolha racional representam um paradigma importante na explicação política. Por certo, elas mostraram-se eficazes em explicar uma pletora de fenômenos sociais. No entanto, o fenômeno aqui analisado representa uma falha empírica do modelo racional (Green & Shapiro, 1996). Aparentemente seria irracional para um cidadão gastar seu tempo se informando para no dia da eleição parar seus afazeres e comparecer no local onde as urnas estão localizadas. Downs chamou esse fenômeno de “o paradoxo do voto”.

O paradoxo do voto é representado pela equação T = pxB + D – C, onde T é o comparecimento, p é a probabilidade de o eleitor ser decisivo para o resultado da eleição (eleitor pivotal), B é a utilidade recebida pelo eleitor caso seu candidato vença, D são os benefícios inerentes de ir votar independente do resultado da eleição, e C são os custos de ir votar. O problema é que a probabilidade de a eleição está empatada e o eleitor ser, de fato, decisivo é praticamente nula. Então, quando p tende a 0, B também é anulado e o cálculo fica entre D e C. A equação é desbalanceada a favor da abstenção, uma vez que os custos (informação e logística) tendem a ser maiores do que os benefícios inerentes de estar realizando um dever cívico. No entanto, o que é observado no mundo empírico são taxas muito mais altas de comparecimento do que o previsto pela teoria da escolha racional. Essa é a falha empírica do modelo racional (Green & Shapiro, 1996).

Uma saída que as teorias da escolha racional acharam para explicar altas taxas de comparecimento foi na teoria dos jogos. Ou seja, o eleitor não está no “jogo” sozinho; a teoria dos jogos mostra que a ação não explicada apenas pelo cálculo racional de custos e benefícios do eleitor, mas considera também a escolha dos outros eleitores. Palfrey e Rosenthal (1983) criam o modelo do eleitor pivotal (pivotal voter model) em que a variável chave da equação de Downs passa a ser o p, isto é, a probabilidade de o eleitor depositar o voto decisivo. A contribuição do modelo de Palfrey e Rosenthal foi mostrar que o eleitor percebe a probabilidade de ser pivotal na média e tende a superestimar essa percepção (Duffy & Tavits, 2008). Essa visão explica a correlação encontrada entre eleições competitivas e turnout, pois, quanto mais incerto o resultado da eleição nas pesquisas eleitorais, maior a probabilidade de o eleitor ser pivotal. Contudo, para que o novo equilíbrio que esse modelo propõe (com o comparecimento eleitoral elevado) aconteça, o eleitor precisa ter total informação dos cálculos de utilidade dos outros eleitores. Se admitirmos informação incompleta, o modelo falha em explicar o turnout e o paradoxo continua (Green & Shapiro, 1996). Nas palavras de Fiorina (1990), esse é “o paradoxo que ‘comeu’ a teoria da escolha racional”.

Em uma crítica a teoria da escolha racional, Green e Shapiro escrevem o livro Pathologies of Rational Choice, em que os autores expõem algumas falhas estruturais da explicação puramente racional. Quanto ao paradoxo do voto, os autores sugerem que os modelos ganhariam poder de explicação se renunciassem ao pressuposto da maximização de utilidade. Isto é, o eleitor pode ser movido por “outras forças” que não apenas o simples cálculo de custos e benefícios.

Verba e Nie (1972) constroem o modelo de recursos (resource model) em que o eleitor possui três recursos básicos que explicam sua probabilidade de votar. São eles o conhecimento político (political knowledge), habilidades e oportunidades. Empiricamente, essas variáveis são medidas respectivamente pela educação, renda e ocupação do eleitor. Ou seja, o status socioeconômico do indivíduo seria chave para entender a decisão de ir votar. A religião é outro fator que vários artigos mostraram ter efeito sobre a probabilidade de participação. Fraga (2006) mostra que protestantes participam mais do que católicos. O mecanismo que possibilita essa relação é a estrutura menos hierarquizada do protestantismo. Por outro lado, outros sugerem que a cultura católica eleva o sentimento de luta no indivíduo, o que, por sua vez, aumenta a probabilidade de comparecimento às urnas (Bühlman & Freitag, 2006).

Outra explicação, incluída no livro The American Voter (Campbell et al., 1960), é a questão da neutralidade. Alguns eleitores são mais propensos a votar, pois se identificam com um candidato ou partido, enquanto outros simplesmente não veem diferença entre as opções disponíveis, logo eles se abstêm. Essa relação, no entanto, não é tão trivial quanto parece; a neutralidade possui características bidimensionais compostas pela indiferença e pela ambivalência (Yoo, 2010; Machin, 2011). Esta ocorre quando o eleitor avalia as opções e encontram um balanço entre os lados positivos e negativos, tornando-se, assim, neutro. A indiferença ocorre quando não existe nenhum tipo de avaliação, pois ele acredita que seu voto não vai fazer nenhuma diferença no resultado das eleições. Indivíduos ambivalentes são mais propensos a comparecer do que os indiferentes.

O conhecimento sobre política também se vê corriqueiramente nos modelos comportamentais para explicar o porquê eleitores votam. A relação é óbvia, quanto melhor informado sobre política for o indivíduo, maior a probabilidade de ele comparecer. Para além do simples comparecimento às urnas, eleitores bem informados são mais propensos a apoiar o candidato que melhor o representa (Downs, 1957; Condon, 2015; Wang, 2015). Apesar de ser uma variável crucial para explicar o turnout, o quão bem-informado é um eleitor é uma medida difícil de se mensurar. A maioria dos estudos empíricos utilizam como proxy a educação (quantidade de anos de estudo), porém esta medida é bastante criticada na literatura.

Já a literatura do Get out the Vote demonstra o efeito das campanhas de mobilização eleitoral, que ocorrem frequentemente em países onde o voto não é obrigatório, no comparecimento. A partir dos problemas expressos acima, o eleitor tem inúmeros motivos para se abster, então, surge a pergunta de como estimular a ida do eleitor às urnas. Para responder essas indagações, Green e Gerber (2004), no livro Get out the Vote: How to increase Voter Turnout, aplicam inúmeros experimentos para mostrar quais métodos (campanha de mobilização eleitoral) trazem mais eleitores às urnas. Os principais meios discutidos são tentativas de mobilização eleitoral por e-mail, televisão, rádio, jornais, telefone, conversa “cara-a-cara” e festivais. Os maiores efeitos são encontrados na mobilização “cara-a-cara” (door to door canvassing), isto é, pessoas são abordadas fisicamente para ouvir a respeito da importância de comparecer.

Para exemplificar a utilização de um desenho experimental, o efeito da mobilização door to door canvassing foi mensurado da seguinte forma. O pesquisador distribuiu, de forma aleatória, uma amostra de eleitores em três grupos experimentais distintos: (1) um grupo que seria abordado pelo próprio candidato; (2) outro que seria tratado por voluntários associados a um partido, e (3) um grupo de controle (ausência de tratamento). De forma simplificada, o pesquisador consegue mensurar o efeito da campanha door to door sobre o comparecimento às urnas ao comparar os grupos 1 e 2 (presença do tratamento) com o grupo 3 (ausência do tratamento). Se os grupos tratados compareceram mais do que o grupo controle, podemos atribuir essa diferença ao efeito causal da campanha. Além disso, ao comparar os grupos 1 e 2 se pode afirmar se a maneira como foi conduzida a campanha (pelo candidato ou por voluntários) faz diferença em sua eficácia.

Como grupos votam também tem sua influência no comparecimento. Minorias comparecem mais em locais onde estão concentradas (Fieldhouse & Cutts, 2008). Em lugares onde elas estão dissipadas, a tendência é se abster das eleições. Isso acontece pois em lugares onde as minorias estão concentradas, a probabilidade de os eleitores criarem vínculos sociais e por sua vez participarem de grupos organizados é maior.

Por último, Levine e Palfray (2007), fundamentados na teoria da escolha racional, apresentam três fatores que aumentam a chance de o eleitor votar. São elas: size effect, competition effect e underdog effect. A primeira remete ao efeito do tamanho do eleitorado no senso de pivotalidade do eleitor. Em países ou comunidades pequenas o eleitor tem mais incentivos para votar. Empiricamente esse efeito só é encontrado em lugares muito pequenos, pois, além de o peso do voto ser maior – o peso do voto varia com o tamanho do eleitorado – a probabilidade de o eleitor conhecer o candidato pessoalmente é maior. O competition effect refere-se a eleições competitivas. Quanto mais competitiva a eleição, isto é, quanto mais incerto o resultado dela, maior será a crença de que o voto é decisivo. Esse é um dos achados mais robustos da literatura do comparecimento eleitoral (Blais, 2006). O underdog effect mostra variação de comparecimento entre os apoiadores declarados dos candidatos. O eleitorado de um candidato que está mal nas pesquisas tende a comparecer mais do que os apoiadores do candidato que tem vantagem.

3.2. Por que as taxas de comparecimento variam?

Outro fenômeno que mobiliza a literatura do comparecimento eleitoral é o fato de que as taxas de turnout variam entre países. Os modelos institucionais são mais propensos a explicar esse fato, pois a categoria política que varia entre nações é, justamente, os arranjos institucionais. Variações socioeconômicas e culturais também variam entre localidades, e elas têm sua parcela na explicação do comparecimento. Na Ciência Política, no entanto, essas variáveis normalmente aparecem como controles no intuito de isolar o efeito da instituição de interesse.

As primeiras obras a levarem seriamente em conta o papel das instituições na explicação do comparecimento eleitoral forma escritos na década de 1980. Até então, o ato de comparecer às eleições era explicado por variáveis atitudinais a nível do indivíduo. Porém, ao comparar taxas de comparecimento entre nações, observava-se um paradoxo nas eleições norte-americanas. Se apenas variáveis atitudinais importa-se, os eleitores estado-unidenses deveriam ser mais propensos a votar do que eleitores de democracias europeias (Powell, 1982; Powell, 1986). Empiricamente essa relação não se observava. A média de comparecimento eleitoral nas demais democracias da época era entorno de 80 %, nos Estados Unidos, por sua vez, a taxa girava entorno dos 50 %.

Para resolver o paradoxo, variáveis institucionais devem ser levadas em conta, isto é, o arranjo institucional americano, quando comparado com o das outras democracias, cria fortes incentivos para o eleitor não comparecer. Powell (1982) considera duas instituições fundamentais para explicar o turnout: Leis de Registro e Partidos Políticos. O efeito da primeira é mais perceptível. Quanto mais rígidas as leis para habilitar um indivíduo a votar, menores serão as taxas de comparecimento. Para a segunda, o mecanismo que permite seu efeito no turnout é a ligação entre grupos sociais e os partidos. Quanto maior a interação entre partidos políticos e associações sociais organizadas, maiores as taxas de comparecimento.

Apesar de Powell ser o primeiro autor a testar empiricamente o efeito das instituições no turnout, colocando em xeque as teorias comportamentais, quem definiu a agenda de pesquisa dos modelos institucionais para explicar esse fenômeno foi Jackman (1987) no artigo intitulado “Political Institutions and Voter Turnout in the Industrial Democracies” (Blais, 2006). O autor não desconsidera em seu modelo o link entre grupos sociais e partidos políticos, que era a variável mais forte no modelo proposto por Powell. Jackman (1987) deixa claro que variações no comparecimento eleitoral entre países são funções de arranjos institucionais. As instituições que possuem efeito no comparecimento são o sistema eleitoral, grau de proporcionalidade das eleições (quanto mais proporcional, maior o turnout), como votos se traduzem em cadeiras (quanto mais direta e menos complexa for a relação de voto e poder político, maior o comparecimento eleitoral), e o voto compulsório.

Mais recentemente, o debate sobre esta última instituição é refinado. Que o voto mandatório aumenta o turnout já é um achado consistente na literatura, porém, pouco se sabe sobre o efeito de suas sanções. As perguntas fundamentais passam a ser sobre o porquê precisa de sanções, quão duras elas devem ser, e se existe um viés em quem é mobilizado levando em conta a mobilização. Ao obrigar os cidadãos a votarem, essa instituição deveria diminuir a desigualdade nas urnas. Porém, normalmente, as sanções aplicadas a quem decide não comparecer afetam de forma desproporcional ricos e pobres. O voto compulsório, ainda que aumente as taxas gerais de comparecimento, aumentam a desigualdade nas eleições, mobilizando mais pessoas de status socioeconômicos mais elevados (Cepaluni & Hidalgo, 2016)

Quanto ao sistema partidário, Jackman (1987) mostra uma relação negativa entre o número efetivo de partidos e o comparecimento eleitoral. A literatura sobre isso mostra resultados difusos (Blais, 2006). O mecanismo proposto é que quanto maior o número efetivo de partidos, maior a probabilidade de o governo ser controlado por coalizões, o que, por sua vez, diminui o poder do voto (atenuando a capacidade do eleitor em entender a relação entre o candidato eleito e seu papel no governo), e isso causaria uma depreciação no turnout. Porém, outro caminho lógico que o multipartidarismo traz para causar um efeito reverso a esta teorizada por Jackman é que quanto mais partidos competindo por eleições, maior a probabilidade de o eleitor se identificar com algum candidato. Aliado a isso, quanto mais partidos competindo, maior o número de campanhas para mobilizar o eleitor. Logo podemos esperar, também, um efeito positivo dessa relação. Ainda assim, a relação encontrada com maior frequência na literatura corrobora a relação negativa entre elas (Blais, 2006).

Outras explicações para o fenômeno do comparecimento eleitoral que são frequentes na literatura institucional são: idade mínima para votar e regras que facilitam a votação. A idade mínima para votar, aparentemente, não segue o caminho lógico; isto é, quanto mais abrir os quadros do eleitorado, maior o comparecimento. Na verdade, evidências empíricas mostram que reduzir a idade mínima teria um efeito de depreciação do turnout (Blais & Dobrzynska, 1998). Isso acontece pois quanto mais jovem o eleitor, menor a probabilidade dele se interessar por discussões e informações políticas, diminuindo também sua propensão a participar do processo democrático (Almlund, 2018). Outra maneira de aumentar o turnout pela via institucional é diminuir os custos do ato de votar propriamente dito. Isto é, alguns sistemas já colocaram em prática formas alternativas ao tradicional meio de sair de casa para ir às urnas. A literatura discute sobre as urnas eletrônicas, votar por e-mail, e a duração da votação.

4. Metodologia e Hipóteses

O quadro 1 sumariza a estrutura da análise empregada. A unidade de análise será os artigos publicados da literatura do comparecimento eleitoral. A língua inglesa foi selecionada pois os principais periódicos de Ciência Política publicam neste idioma. Os artigos foram selecionados da seguinte maneira: A partir do Portal de Periódicos CAPES/MEC, tive acesso a base do Web of Science que contém múltiplos bancos de dados e armazena as informações bibliográficas dos artigos publicados em diversas áreas e subáreas do conhecimento. Por meio das palavras-chaves “turnout”, “Get Out The Vote” e “Get-Out-The-Vote”, e refinando os resultados para artigos científicos do campo da Ciência Política, obtive a minha população de análise, que abarca 2.332 artigos publicados entre os anos de 1958 a 2018. O período analisado possui dois momentos. O que data de 1958 a 2018 representa todo o meu corpus de artigos e será analisado a partir de técnicas bibliométricas. Já o segundo período (2005-2018) consiste em uma amostra estratificada pela quantidade de citações e será analisado através de análise de conteúdo.

Quadro 1
Estrutura de Análise
Estrutura de Análise

As referências citadas por um corpus de artigos constituem um conjunto de dados que podem dizer bastante sobre o “estado da arte” de uma disciplina. A análise bibliométrica surge para dar sentido a enorme quantidade de referências que foram citadas no decorrer do tempo; estas são influenciadas por diversos fatores (Do Prado et al., 2016; Liu et al., 2014). Supõe-se, por exemplo, que se um artigo cita com frequências outros trabalhos que, em sua maioria, tratam de problemas institucionais, esse artigo, também, utiliza um modelo institucional. Dessa maneira, fica fácil de saber, no tempo, alguns pontos de inflexão da disciplina. Espera-se que em determinados momentos os modelos institucionais se sobressaiam, e, em outros, os comportamentais prevaleçam. No entanto defendemos a hipótese de que contemporaneamente as duas abordagens coexistam.

Em conjunto com as análises bibliométricas será realizado uma análise de conteúdo em uma amostra estratificada dos artigos obtidos através do Web of Science. Os artigos escolhidos foram baixados através do Portal de Periódicos CAPES/MEC. Fazer uma análise de conteúdo da população não seria racional, visto que a quantidade (2.332 artigos) é demasiada. A amostra retirada dessa população consiste em 316 artigos. Esta possui um nível de confiança de 95 % e uma margem de erro de 5 %. Optei pela amostra estratificada, pois a quantidade de citações não é distribuída de forma aleatória no corpus. A relação existente é a de que poucos artigos são largamente citados enquanto muitos artigos possuem poucas ou nenhuma citação. A população para extrair a amostra não foram os 2.332 artigos que compõe o corpus das análises bibliométricas, mas sim os 1778 artigos que foram publicados entre os anos de 2005 e 2018, afinal, como dito anteriormente, estou interessado na produção mais recente dessa literatura. Dividi essa população em quatro estratos agrupados de acordo com a quantidade de citações de cada artigo, como mostra a tabela 1 abaixo.

Tabela 1
Amostra Estratificada
Amostra Estratificada
Elaboração do autor

A análise será estruturada para responder a três hipóteses específicas:

H1: Existe uma divisão de trabalho entre explicações institucionais e comportamentais na literatura do comparecimento eleitoral.

Apesar de já ter explicado que as duas vertentes estão consolidadas na literatura em questão, a análise se concentra na publicação contemporânea dela. As explicações comportamentais fundamentaram-se na década de 1950 e 1960, enquanto as institucionais, na década de 1980. Irei observar se, mais recentemente, existe uma preponderância de um modelo sobre o outro ou se uma divisão de trabalho é observada. Espera-se que exista uma divisão do trabalho pois, com isso, poderemos confirmar que a explicação política, de fato, não deixou as instituições de lado em função de seus problemas metodológicos.

H2 – Modelos comportamentais estão mais associados a desenhos experimentais do que modelos institucionais.

A pesquisa experimental requer alto grau de manipulação das variáveis explicativas (o tratamento) e da população (para criar grupos similares a partir da randomização). Como as teorias comportamentais diminuem o nível de análise para o indivíduo, a sua manipulação é muito mais factível do que macro-instituições. Os desenhos experimentais estão intimamente ligados ao modelo causal de potential outcomes, porém a complexidade do contexto em que as instituições estão inseridas viola diversas assumptions desse modelo (Przeworski, 2009).

H3 – Explicações institucionais estão mais associados a desenhos qualitativos (small-n e estudos de caso) do que as explicações comportamentais.

A endogeneidade intrínseca aos modelos institucionais (Przeworski, 2009) dificulta a aplicação de desenhos experimentos para testar suas hipóteses. Isto é, a dificuldade em separar o que é efeito da instituição e o que é efeito do contexto em que ela está inserida seria melhor modelado por desenhos não experimentais que consideram a profundidade da interação contexto-instituições presentes em cada caso. Desenhos qualitativos de small-n e(ou) estudos de casos conseguem capturar com maior eficiência os mecanismos por trás da relação entre causas e efeitos (Mahoney & Goertz, 2012; Goertz, 2017).

É importante frisar que o debate sobre o que explica o comparecimento eleitoral nas duas vertentes (individual e institucional) é abordado, neste artigo, apenas no nível teórico na seção 3. Está fora do escopo desta pesquisa analisar a relação entre as variáveis explicativas e os possíveis desenhos que a literatura considera. Na parte empírica, estamos considerando apenas a relação entre teoria e desenho no nível mais agregado das grandes correntes comportamentais e institucionais.

Adicionalmente mostraremos a distribuição dos casos latino-americanos quando se estuda o comparecimento eleitoral. Em que medida os pesquisadores se valem de países da América do Sul, Central e Caribe e do México para testar suas hipóteses? Para responder essa pergunta será aplicado um dicionário com os países da América Latina nos títulos e resumos dos 2332 artigos estudados na análise bibliométrica.

5. Resultados

A análise bibliométrica apresentada aqui contém um corpus de 2.332 artigos, como mostra a tabela 2. Esses artigos foram publicados em 167 periódicos diferentes no período entre os anos de 1958-2018. A quantidade de autores que publicaram sobre o comparecimento eleitoral nesses anos foi de 2.574. As palavras-chave são outro componente importante da análise e totalizam 2.548 ocorrências.

Tabela 2
Dados Descritivos da Análise Bibliométrica
 Dados Descritivos da Análise Bibliométrica
Elaboração do Autor

Quanto a proporção da América Latina como caso dos artigos que analisam o comparecimento eleitoral, dos 2332 artigos, 105 (4,5 %) artigos mencionaram algum país dessa região no título e(ou) resumo. O México lidera o alvo das pesquisas com 41 artigos. Além dele, Argentina (13), Brasil (12), Chile (8) e Colômbia (7) formam o top 5 países latino-americanos analisados pelo corpus do comparecimento eleitoral.

A primeira hipótese sugere que modelos comportamentais e institucionais coexistem na literatura do comparecimento eleitoral. Rezende (2017) mostra que essa hipótese se sustenta quando olhamos para os principais periódicos da Ciência Política. Contudo, os periódicos de alto fator de impacto publicam artigos sem descriminação de subárea. Ou seja, a explicação para a coexistência dessas explicações pode ser devido aos diferentes temas da CP, isto é, pode ser que algumas literaturas sejam melhor explicadas por modelos comportamentais enquanto outras por modelos institucionais. Olhando para apenas um tema específico, além de mostrar que ambos os modelos coexistem, podemos mostrar que eles podem explicar o mesmo fenômeno. Na seção dois vimos que teoricamente isso é possível, mas, será que um tipo de explicação chama mais atenção dos pesquisadores do que o outro?

Primeiramente vamos observar a relevância dos artigos que compõem o corpus de 2574 artigos através da quantidade de vezes que foram citados. O gráfico 1 mostra a quantidade de citação por ano. Observam-se claramente três grandes picos de citação, o primeiro deles no período em que a escolha racional e o comportamentalismo eram as principais formas de explicação na CP. Os outros dois estão da década de 1980, quando os modelos institucionais ressurgem na disciplina. Em 1968 (primeiro pico) foi publicado o artigo escrito por Riker e Ordershook intitulado de “A theory of the Calculus of Voting” na American Political Science Review. Esse artigo discute sobre o paradoxo do voto proposto por Downs a luz das teorias da escolha racional. Os autores propõem uma nova variável no cálculo do eleitor, que mais recentemente é abordado pelos modelos comportamentais, qual seja, o dever como cidadão (civic duty). O fato desse artigo ser largamente citado mostra que a literatura recorre com frequência a explicações racionais para explicar o voto. O segundo pico é no ano de 1987, ano este que foi publicado o artigo “Political Institutions and Voter Turnout in Industrial Democracies” publicado por Jackman. Ele definiu a agenda das abordagens institucionais para explicar o comparecimento eleitoral (Blais, 2006). Esses dois picos corroboram a hipótese 1 visto que um pico foi causado pela abordagem comportamental enquanto o outro por uma institucional. Ou seja, ambas perspectivas são largamente citadas. Contudo, outro pico é observado – este com o mesmo impacto de Jackman (1987) – em 1989. Neste ano Cox escreve o artigo Closeness, Expenditure, and Turnout in the 1982 U.S. House Election. A proposta dessa publicação é entender algumas características da relação encontrada entre competição eleitoral e turnout. Mais especificamente, o autor quer saber qual o mecanismo por trás da relação entre competição eleitoral e turnout – o eleitor individual movido pela sensação de que seu voto é decisivo em eleições competitivas, ou as elites (candidatos e financiadores de campanha) que utilizam mais campanhas de mobilização (get out the vote), o que, por sua vez, tem um efeito no comparecimento eleitoral. Isso corrobora ainda mais a hipótese da divisão de trabalho entre modelos comportamentais e institucionais nessa literatura, visto que os dois maiores picos de citações consistem em uma publicação que mobiliza o nível institucional e outra o nível individual.

Gráfico 1
Quantidade de Citações por Ano
Quantidade de Citações por Ano

Vamos analisar agora as vinte referências mais citadas pelo corpus analisado.3 O quadro 2 mostra quais publicações foram o alvo de citações pelos pesquisadores que estudam comparecimento eleitoral. O objetivo é mostrar o papel dos modelos comportamentais e institucionais nas referências que foram mais citadas pelo corpus de artigo, por tanto, falar sobre o que se trata cada referência perderia o foco da análise.

Quadro 2
Referências mais citadas
Referências mais citadas
Elaboração do Autor

A obra mais citada pela comunidade científica que estuda o comparecimento eleitoral foi o livro Who Votes?, escrito por Wolfinger. O título do livro (quem vota?) já remete aos modelos comportamentais que tentam entender por que o eleitor vota. O objetivo principal é explicar a variação do comparecimento entre diferentes pessoas e a maior contribuição da obra foi mostrar que variáveis socioeconômicas tais como educação e idade são os fatores que mais impactam o turnout. Essa obra explica o fenômeno pela via comportamental. Isso vale para a segunda referência mais citada, o livro An Economic Theory of Democracy. Downs, em um dos capítulos, tenta entender qual o cálculo de custos e benefícios que o eleitor faz para comparecer às urnas; a racionalidade do indivíduo é o fator mais importante do seu modelo. A primeira referência a utilizar as instituições de forma contundente em suas explicações sobre a variação do turnout é André Blais, no livro To Vote or Not to Vote, que foi a nona obra mais citada. Apesar de seu objetivo principal no livro seja discutir as controversas entre a teoria da escolha racional e os achados empíricos do comparecimento eleitoral, ele considera o tipo de eleição (se é nacional ou local e se é presidencialista ou legislativa) como fator chave para explicar a variação de eleitores nas urnas. Ademais, as seguintes obras publicadas por Franklin, Lijphart e Jackman são todas institucionais.

Das 20 referências mais citadas na literatura do comparecimento eleitoral, 7 (35 %) são institucionais e 13 (65 %) são comportamentais. Ainda que as oito primeiras publicações remetam a perspectiva comportamental, não podemos menosprezar o papel do institucionalismo nessas teorias. Isso porque o volume total de referências citadas ultrapassa 40.000 obras, logo, considerando essa população larga de publicações, ocupar a nona ou décima posição significa uma fortíssima influência na literatura.

O próximo passo agora é analisar as palavras-chave mais recorrentes na literatura. As palavras-chave remetem aos aspectos mais importantes que o artigo quer mostrar. Isto é, a sua escolha pode definir o assunto principal a ser discutido; quais métodos serão utilizados, ou quais categorias serão usadas para explicar o fenômeno em questão. Como, normalmente, é atribuído mais de uma palavra-chave por artigo, podemos mostrar como elas coocorrem na literatura. A hipótese 2 – modelos comportamentais estão mais associados a desenhos experimentais do que os modelos institucionais – relaciona dois aspectos de uma explicação, um teórico e outro metodológico. Ao observar como essas palavras coocorrem, podemos analisar que as palavras que remetem a desenhos experimentais estão próximas a palavras que se referem aos modelos comportamentais.

Gráfico 2
Co-ocorrência de palavras-chave
Co-ocorrência de palavras-chave

O gráfico 2 representa uma rede de coocorrência de palavras-chave. O tamanho dos círculos mostra a quantidade de vezes que elas são citadas e as ligações representam as palavras-chave que aparecem mutuamente no mesmo artigo. Foram identificados dois clusters representados pelas cores vermelho e azul. É interessante observar o que cada grupo significa. Identifica-se a existência de dois mundos na explicação do turnout; um institucional, representado pela cor azul, e outro comportamental, representado pela cor vermelha. As principais palavras presentes no cluster azul são democracy, industrial democracies, institutions e government e todas elas representam a abordagem institucional da literatura. Do outro lado da rede, em vermelho, observamos as palavras que representam o fenômeno tratado pela literatura – o turnout –, porém, as palavras behavior, voting-behavior, attitudes e mobilization aparecem neste lado da rede. A hipótese 1 é corroborada pela análise bibliométrica, o que, por sua vez, corrobora o argumento a coexistência desses modelos na Ciência Política (Rezende, 2017).

A questão a ser discutida agora é a relação entre desenhos experimentais e modelos comportamentais. A hipótese 2 também é corroborada pela figura 2. A palavra-chave field experiment, que representa, no mapa, os desenhos experimentais (neste caso o experimento de campo) está presente no cluster vermelho, o que, por sua vez, demonstra que experimentos estão mais associados ao comportamentalismo do que ao institucionalismo nessa literatura. Como o grupo vermelho contém majoritariamente palavras que se referem ao conteúdo da literatura, vale observar mais de perto as ligações da palavra-chave field experiment. A grossura da linha representa a força de associação entre as palavras. Claramente, sua ligação com as palavras turnout e voter turnout são as mais fortes. Isso é esperado, pois os experimentos, em última instância, são usados para estimar o efeito de alguma variável independente (o tratamento) no comparecimento eleitoral. Contudo, a terceira e quarta linhas mais fortes conectam field experiment com mobilization e behavior. Ambas as palavras remetem a literatura comportamental do comparecimento eleitoral. A conexão entre experimentos de campo e mobilização eleitoral é explicada pelo livro Get Out The Vote: How to Increase Voter Tunout, escritos por Green e Gerber (2004). No livro, dezenas de experimentos de campo são aplicados (e ensinados a fazer) para mensurar o efeito de diversas técnicas de mobilização do comparecimento eleitoral. Já a conexão entre behavior e field experiment éa melhor relação para corroborar a hipótese 2.

Analisaremos, a seguir, a literatura do comparecimento eleitoral a partir de análises de conteúdo. Diferente da abordagem bibliométrica, que examina as grandes informações do artigo – título, resumo, palavras-chave e referências citadas – de forma agregada para inferir sobre a produção geral da disciplina, a análise de conteúdo nos permite olhar para dentro do artigo. Olhar o conteúdo do artigo vai servir de complemento para os achados anteriores, pois poderemos observar se eles se mantêm quando olhamos o artigo “mais de perto” (com maior profundidade). Logo, pretendo comparar os resultados achados para corroborar as hipóteses 1 e 2, e examinar a hipótese 3.

Como dito anteriormente, para a análise de conteúdo não utilizaremos a população de 2.332 artigos, mas sim, uma amostra estratificada por quantidade de citações dos artigos publicados entre 2005 e 2018. Esse processo resultou em um total de 316. Quanto a classificação dos artigos, consideramos institucionais aqueles que explicam o comparecimento eleitoral através de variáveis institucionais (eg. efeito do voto compulsório). Analogamente, o estudo é considerado comportamental se o fenômeno for explicado a nível do indivíduo (eg. efeito do conhecimento político do eleitor). Dos 316, 8 (2,5 %) artigos utilizaram países latino-americanos como caso. Brasil (4), Argentina (2), Bolívia (1) e Chile (1) foram os casos que entraram aleatoriamente na amostra estratificada. Quanto às teorias abordadas por esses artigos, 5 utilizaram explicações institucionais e 3 comportamentais.

A tabela 3 mostra a quantidade de modelos institucionais e comportamentais na amostra. Observa-se que a proporção de artigos identificados como comportamentais (62,3 %) é quase duas vezes maior do que as institucionais (32,6 %). Apesar da observada preponderância da abordagem comportamental sobre a institucional, não podemos negar que o institucionalismo tem seu papel na literatura do comparecimento eleitoral. Dentre os artigos classificados como “outros” (5,1 %), parte deles utilizam o turnout como variável independente para explicar outros fenômenos, alguns são metodológicos, outros utilizaram variáveis geográficas, tempo de campanha ou chuva para explicar comparecimento. Um deles analisou eleições a nível parlamentar.

Tabela 3
Artigos por Modelo
Artigos por Modelo
Elaboração do Autor

Para analisar a distribuição dos desenhos utilizados na literatura, construímos um dicionário com termos que representam pesquisas experimentais, quase-experimentais, small-n e estudos de caso. A tabela 4 mostra a distribuição da frequência de desenhos de pesquisa por modelos na literatura.

Tabela 4
Proporção dos Desenhos por Artigo
Proporção dos Desenhos por Artigo

Todos os termos foram consultados em inglês. Métrica obtida pelo quociente da quantidade de palavras e quantidade de artigos em cada grupo. Isto é, o valor representa a quantidade de palavras por artigo. Na terceira coluna, valores positivos representam preponderância da palavra nos modelos comportamentais enquanto valores negativos, institucionais. Fonte: Elaboração do Autor.

A primeira parte da tabela contém palavras-chaves representativas de desenhos experimentais, quais sejam, de campo, de laboratório, de lista, natural e de survey. Com exceção dos experimentos naturais, todas as variantes se concentram majoritariamente em artigos comportamentais. Quando não especificamos o tipo de experimento, essa diferença é muito maior. Em média, um artigo comportamental cita a palavra experimento 7,26 vezes mais do que um institucional. Os experimentos naturais, no entanto, aparecem 0,3 vezes mais em artigos cujos modelos mobilizam instituições. Há um debate sobre experimentos naturais e sua validade como experimento de fato. Nesse desenho, ainda que a aleatoriedade da distribuição do tratamento seja possível, ela não é feita pelo pesquisador, mas sim, pela natureza. Então, quando instituições surgem, morrem ou mudam, quando desastres naturais mudam instituições de forma inesperada, ou quando uma regra exige randomização, os pesquisadores da perspectiva institucionalista podem tratar tais fenômenos como se fossem randomizados pela natureza.

Quando olhamos para os quase-experimentos (diferenças em diferenças, variáveis instrumentais, pareamento, regressão descontínua e controle sintético), a distribuição é mais homogenia. Ao levarmos em conta a diferença proporcional de artigos, as variáveis instrumentais e o pareamento são mais recorrentes nos modelos comportamentais. Enquanto a regressão descontínua, e, principalmente, o controle sintético, estes são mais utilizados pelos modelos institucionais. Observa-se, também, um empate em relação ao desenho de diferenças em diferenças. Esses desenhos buscam emular a lógica experimental a partir de dados observacionais. Para as abordagens institucionais, são ótimas estratégias para isolar, na medida do possível, o efeito das instituições do efeito do contexto. Com isso, as pesquisas ganham maior poder de credibilidade.

As palavras referentes a lógica qualitativa de se fazer inferência e que buscam a causa dos efeitos também se comportam de forma homogênea, porém com um leve viés para a abordagem institucional, o que vai de acordo com a hipótese 3, ainda que não na intensidade esperada. Levando em consideração a desproporcionalidade dos artigos, observamos um empate em relação a palavra mecanismos. Porém, as palavras estudos de caso, variáveis omitidas, e principalmente small-n são mais frequentes na abordagem institucional.

6. Conclusão

Esse artigo teve como objetivo mostrar que os dois grandes modelos teóricos coexistem na Ciência Política, mesmo quando analisamos um fenômeno específico. Com teorias comportamentais e institucionais dividindo o espaço nas publicações sobre o comparecimento eleitoral, podemos observar como isso leva a diferentes meios de testar proposições causais distintas.

A escolha desse caso foi baseada no fato de que os dois modelos de explicações estão presentes na literatura e assumem formas distintas. Isto é, os modelos comportamentais respondem à pergunta do porquê o eleitor vota, enquanto a perspectiva institucional versa sobre a diferença do turnout entre os países. A pesquisa foi guiada por três hipóteses. A primeira sobre a coexistência dos modelos institucionais e comportamentais na literatura analisada. A segunda, sobre a forte relação entre os modelos comportamentais e os desenhos experimentais. E, por último, a conexão entre modelos institucionais e desenhos qualitativos que levam em conta a complexidade do contexto em que as instituições estão inseridas.

A análise foi feita em dois níveis. Primeiramente corroboramos as duas primeiras hipóteses através da análise bibliométrica de um corpus que contém 2.332 artigos. Depois, a partir de uma amostra estratificada de 316 artigos, reforçamos, novamente, a corroboração das hipóteses 1 e 2. Quanto a terceira hipótese, apesar dos achados mostrarem preponderância de desenhos small-n e de estudos de caso na perspectiva institucional, a força esperada dessa relação foi fraca.

Esses achados corroboram a teoria do Pluralismo Inferencial (Rezende 2015a; Rezende 2017), ao mostrar que, mesmo olhando para um caso específico, a Ciência Política não renuncia às explicações institucionais por causa dos problemas metodológicos relacionados a endogeneidade (Przeworski, 2009). A coexistência do behaviorismo e do institucionalismo abre o leque para os pesquisadores testarem suas hipóteses a partir de um largo portfólio de desenhos de pesquisa. Seja pela via experimental ou observacional, tanto mensurar efeitos quanto compreender de forma mais aprofundada os mecanismos que conectam as causas aos efeitos são estratégias relevantes na disciplina.

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Notas

1 Os desenhos experimentais possuem algumas vantagens em relação aos desenhos observacionais. Existem três elementos básicos para sua aplicação: (a) Manipulação do Tratamento; (b) Random Sampling; (c) Random Assignment. O desenho consiste na formação de dois (ou mais) grupos extraídos aleatoriamente (random sampling) de uma população bem definida. O pesquisador, através da manipulação do tratamento, imputa de forma aleatória quem recebe o tratamento (random assignment) formando, assim, pelo menos dois grupos. Um grupo controle (ausência de tratamento) e um grupo de tratamento constituído por aqueles que o receberam. Por ser dois grupos extraídos e formados aleatoriamente, isto é, sem intencionalidade do pesquisador, a comparação deles estaria livre dos dois principais vieses de uma análise empírica: variáveis omitidas e causação reversa. Logo, a diferença entre o resultado da variável dependente (outcome) dos dois grupos resultará no efeito causal do tratamento sobre o fenômeno analisado. Ainda assim existe uma vasta literatura que aponta as limitações da pesquisa experimental (Stokes, 2014; Kasy, 2016).
2 Rezende (2015b) aponta sete dimensões que pavimentam as transformações metodológicas vivenciadas pela Ciência Política contemporânea. São elas: (1) Preocupação com Inferência Causal; (2) Orientação por modelos hipotético-dedutivos; (3) Desenhos de Pesquisa; (4) Integração entre métodos quantitativos e qualitativos; (5) Ecletismo Analítico; (6) Demanda por Identificação; e (7) Primazia dos métodos sobre análise.
3 Referências citadas são obras que foram citadas pelo corpus. Elas não necessariamente estão inseridas nele e podem conter tanto artigos quanto livros.

Recepção: 18 Novembro 2020

Aprovação: 29 Abril 2021

Publicado: 01 Junho 2021

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